Os doces
Minha infância foi açúcar
puro, sem adoçantes artificiais. O grosso desse açúcar vinha da produção
caseira, com destaque para o doce de figo verde. Os figos eram colhidos por meu
avô, no quintal. Depois de colhidos, ele lixava, com uma lixa fina, furava com
um garfo e os colocava de molho, para depois serem cozidos e ganharem calda.
Meu avô estava em casa o tempo todo, a não ser quando saia para resolver uns
assuntos misteriosos. Ou quando ia ao
Mercado Central, comprar laranja serra d’água.
A serra d’água era pequena,
doce e com muito caldo, bem diferente das laranjas grandes e aguadas, que agora
usurpam o nome. Um cento cabia numa saca. Nos degraus da escada da cozinha, que
dava para o quintal, passávamos um tempão descascando e chupando laranjas. Eu
gostava de descascar de gomo, em vez de chupa-chupa, uma operação difícil, por
causa da pele fina da fruta.
No Mercado Central havia
a matéria prima do meu doce predileto: o doce de laranja da terra. As cascas
ficavam de molho dentro de uns latões de 20 litros, cortadas parcialmente em
cruz, de modo que as quatro partes permanecessem unidas. A vendedora enfiava a
mão no latão, sacudia a água e embalava as cascas. Depois enxugava a mão no
avental e fazia o troco. Alzira só cozinhava e fazia a calda. O azedinho-doce era
inigualável.
Os ingredientes para os
outros quitutes eram guardados na despensa. A lata de banha com açúcar cristal
ficava debaixo da pia, junto à de arroz e à de feijão. Nos fins de semana,
alternavam-se os bolos, as gelatinas, os pavês e os biscoitos cozidos. As balas
puxa-puxa eram feitas no tacho de cobre, com açúcar cristal. Minha avó usava o
açúcar refinado para polvilhar o pão doce com manteiga, que ela chamava de pão
com pó de pirlipimpim. Ele também era colocado no tomate, cortado ao meio. Os abacates,
depois de seccionados, levavam algumas gotas de limão e tinham a cavidade do
caroço preenchida com açúcar refinado. Eram comidos de colherinha. Tudo era
adoçado.
Além dos manufaturados e
dos semimanufaturados, havia os derivados do cacau: as moedinhas douradas de
chocolate, que eu costumava ganhar de aniversário, os cigarrinhos de chocolate
com leite e as Nhá Bentas, que minha mãe comprava na Loja da Kopenhagen.. A Nhá
Benta vinha em uma caixa de papelão, com a figura de uma vovó. Era uma pequena
montanha de marshmallow, com uma base de waffer, coberta por uma camada fina de
chocolate. A Kopenhagen ficava na esquina de Tamoios com Afonso Pena. Depois da
aula, nós saíamos do Instituto de Educação e descíamos a Afonso Pena até a Rio
de Janeiro. O ônibus para o Bairro da Graça ficava na Tupinambás. Eu fazia o
primário e ela o curso normal.
Todo ano, passávamos as
férias no Espírito Santo e trazíamos caixas e caixas de bombons Garoto. Eu não
gostava dos redondos, exceto o Sonho de Valsa, e nem dos recheados de coco.
Escolhia primeiro os quadrados, depois os recheados com uma massa meio
azedinha, de tamarindo. No Espírito Santo ficavam o Centro Espírita do Caboclo
Tabajara, onde o meu padrasto havia sido iniciado, e as praias: Nova Almeida,
Marataízes, Guarapari, Anchieta, Iriri, Jacareípe, etc.
A dieta de carboidratos e
açúcar produzia um saudável sobrepeso, sinal de saúde. O modelo era o famoso
Bebê Johnson, que era escolhido num concurso entre os mais corados e
rechonchudos. Eu mesmo era candidato a um prêmio de robustez infantil. As
cáries eram um efeito colateral.
A complementação dessa
dieta era feita com a deliciosa farinha láctea Nestlé (outro fóssil!),
mandiopã, sucrilhos Kellogs e outras fontes calóricas e ou energéticas. Indo
para o Instituto de Educação, levava na merendeira a vitamina de abacate
manteiga, um mingau num belo tom esverdeado. O chiclete era considerado um
péssimo hábito, embora tolerado. Não se admitia o seu uso nas salas de aula ou
na frente dos adultos.
Ainda no terreno dos carboidratos
havia os biscoitos Maisena e os champanhe, que se comiam encharcados de leite.
Lembro um dos Lobatos, de Vitória, enchendo o meio de dois biscoitos Maria com
manteiga, espremendo e lambendo as minhoquinhas que saiam pelos furos. Ele
chamava mesmo de minhoquinhas, aqueles vermes de manteiga. Não era à toa que
tinha dentição de tubarão, com um dente caindo após o outro. O leite vinha em
garrafas de litro, entregues na porta ou vendidos nas vaquinhas. Não existia
leite desnatado, leite A, B e C, ou qualquer outro leite adjetivado. Havia o
leite da CCPL e pronto (A sigla queria dizer: Comeram o Cu do Pobre Leiteiro).
Eu enjoava em qualquer
viagem um pouco mais longa, fosse de ônibus, de carro ou de trem. Quando íamos
para o Espírito Santo, a expedição incluía o tradicional frango com farofa e para
mim, que ficava praticamente em jejum, ameixa pretas. Foi em Vitória, no Hotel
Majestic, de Dona Elvira, que experimentei o feijão preto, de gosto esquisito e
que sujava o prato.
Quando mudei para o
Bairro da Graça, deixei a excelente culinária da Alzira. A sua irmã, Angélica,
nos acompanhou, mas a comida não tinha o mesmo paladar. Havia um prato
especialmente detestável: miolo de boi, que não sei por que, me empurravam
dizendo que era mandi, um peixe. Fígado era outra tortura. É claro que a regra de ouro era: botou no
prato tem que comer, dando graças a Deus porque não ser como as criancinhas
pobres, que sonhavam com um prato daqueles. Eu comia, e elas continuavam com
fome. Com o tempo, fui vencendo essas rejeições, mas uma ficou: detesto jiló.
Que minha mãe adora, é claro. Ela acabou aderindo ao adoçante e ao óleo de
soja, mas não abandonou os doces, os biscoitos e os bolos. Como é que algo que
nos alimentou a infância toda pode nos fazer mal?
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