Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.

Consulte o dicionário do cinismo, no rodapé do blog.

Divulgação literária e outros babados fortes

Versos cretinos, crônicas escrotas e contos requentados. O resto é pura prosa.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Yoani

A esquerda esquizofrênica está levando um banho da Yoani, banho maior do que o flu levou ontem. O tempo todo repetem a entrevista dela com o tal francês, que antes de ser uma entrevista é mais uma peça da promotoria interrogando um réu (que se sai muito bem do inquisitório).

Afirmam que ela é paga pela CIA. A acusação não ajuda muito, a não ser para os apoiadores incondicionais do regime. Primeiro porque não há provas; segundo, porque mesmo que ela fosse uma agente da CIA, como Juanita Castro, haveria de se discutir o mérito do que ela afirma sobre Cuba. 

Aí é que mora o perigo. É mais fácil gritar slogans do que tapar o sol com a peneira. Tentam impor a ela a pauta do governo: o fim do embargo e a libertação dos cinco. E colocam,mentirosamente, em sua boca posições que ela não defende. Yoani é de oposição. E isso não é crime. Seria de se espera que ela defendesse uma pauta diferente da do governo. Ela, segundo suas próprias palavras, é contra o embargo, a favor da libertação dos cinco e contra as prisões ilegais em Gantánamo. 

Só não veio ao Brasil para priorizar a pauta do regime. E aí, a coisa piora para os gritadores de slogans. Ela esclarece, por exemplo, que os 5 faziam parte de uma rede de espionagem, juntamente com mais 12, sendo que os outros fizeram acordos onde admitiam sua culpa. Ter que ouvir o outro lado nem sempre é agradável. É para evitar isso que se montam regimes totalitários, com imprensa e partidos únicos.

O último recurso para minimizar sua visista, nas redes, é a declaração de que é a PIG (ah, se não houvesse o embargo e a PIG) que está dando uma importância a Yoani que ela não tem, já que ninguém a conhece em Cuba, que o número de seus seguidores é manipulado, aquele mimimi de sempre. Se ferraram, porque foram justamente os gritadores de slogans que deram mais destaque à sua visita. 

Colocaram na boca de Yoani que ela se dá muita importância. A própria declarou que não é importante, é apenas um porta-voz daqueles que não podem falar, que o importante é o seu país. Que contraste com os Chávez da vida, não? 

Olhem com quem ele anda (bolsonaros, alvaros dias, etc.), gritam os esgueladores. Não vejo onde eles sejam muito pior do que os renans, os sarneys, os maluf e outros companheiros aliados, mas olhem para a Yoani. Não há a menor chance de ela ser confundida com esse bando. Ela tem luz própria. Foi convidada por alguns parlamentares e usou a oportunidade para fazer o que ela veio fazer aqui: falar da realidade de seu país.

Essa é justamente a pedra de toque. A realidade de seu pais, por mais slogans que se gritem é óbvia: um estado policial, com uma população empobrecida e sem os direitos mais elementares. Esse aliás é o tema de suas crônicas, muito bem escritas, por sinal e que de agora em diante, terão mais leitores. Yoani agradece a atenção recebida. Para quem enfrenta um cerco policial dia e noite, sofre provocações muito piores, os gritos não fizeram nem cosquinha. Pelo contrário,mostraram que há um lado que quer debater e outro lado que é incapaz de sustentar um debate civilizado.

Acorda esquerda! Vocês estão desmoralizando a causa do socialismo. O centro de minhas discordâncias com Yoani é justamente este: eu defendo o socialismo. E defendo o direito de a oposição cubana criticar um governo que, embora se diga socialista, não passa de um estado policial, corrupto e ineficiente.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Sigam o dinheiro!



Recentemente a revista Piauí publicou uma reportagem que conta as aventuras de Tariq Ali, um paquistanês, na Coréia do Norte. Ele revela, entre outras coisas, que os dirigentes norte-coreanos subornavam intelectuais e ativistas de esquerda para fazerem declarações favoráveis ao regime.
O reino dos Kim é motivo de piada em todo o mundo. Recentemente foi “eleito” o homem mais sexy do mundo, por uma revista americana. Outras denúncias não são tão engraçadas assim: jornais japoneses afirmam que a fome está levando os camponeses norte-coreanos a praticarem o canibalismo.
A RPDC, como Kim Jong-Un gosta de chamar o seu reino, mantém um comitê de solidariedade no Brasil, que promove exposições e viagens de brasileiros ao seu mundinho fechado. Da mesma forma, o partido Baath, de El-assad, o açougueiro sírio, mantém convênios com partidos comunistas, que por sua vez o apóiam. Originalmente, o partido sírio defendia o socialismo.
El-assad também é apoiado por Pútin. O antigo agente da KGB subiu favorecendo aos oligarcas russos e a última coisa que desejaria seria um regime socialista. A base naval que os russos mantêm na Síria e razões geopolíticas de grande potência são uma explicação mais plausível. Difícil é explicar a predileção de comunistas do mundo todo pelo novo autocrata, em detrimento de Ziugánov, dirigente comunista que é o eterno perdedor de eleições fraudadas.
Pútin por sua vez, retribui essa predileção financiando uma agência de notícias, a Russia Today, que transmite em língua inglesa noticiário favorável sobre o seu regime, junto com vagas denúncias antiiperialistas que abastecem blogs de esquerda.
A Inglaterra é um dos maiores destinos de inversões russas no exterior. Talvez, por isso, tenha feito vista grossa quando o exilado Litvinenko tomou um chazinho de polônio, na melhor tradição da Smersh dos romances de 007.
Outra fonte que costuma abastecer blogs de esquerda é a Telesur, venezuelana, também conhecida como telesurtada. Essa histeria ficou comprovada na “cobertura” que fez da revolta síria. Kadaffi, o suposto martir da luta antiimperialista, era um personagem tão grotesco quanto os Kim norte-coreanos (sua bizarrice incluia um harém de “enfermeiras” ucranianas e passava pela sua colaboração com a CIA, além de seu apoio às campanhas de Sarkozy e Berlusconi).
A Venezuela, com seu socialismo bolivariano, também sustenta uma rede de apoios e de interesses não tão desinteressados assim. Sem o seu petróleo, Cuba entraria em uma grave crise econômica. Dentro de suas limitações orçamentárias, Cuba patrocina a Prensa Latina e o Cuba Debate. Um de seus colaboradores é ... Tariq Ali.
Quando Lula esteve em Cuba, recentemente, um dos pontos de pauta foi a participação da Odebrecht nas obras do porto de Mariel. Além disso, a construtora está na ilha ensinando aos cubanos como gerir ... uma usina de açúcar.
Um ponto a ser observado  nessas viagens de nosso ex-presidente é que elas costumam ser ótimas ocasiões de negócio para Odebrecht, Andrade Gutierrez e outras grandes construtoras. Foi assim na Bolívia e, há pouco tempo, na Etiópia.
Na nossa América, Brasil e Venezuela costumam jogar no mesmo time: populismo unido jamais será vencido! Estamos deixando de lado os nossos interesses comerciais mais imediatos em nome de uma união política. Essa opção ficou muito nítida com a suspensão do Paraguai do Mercosur e a imediata entrada da Venezuela, que, por mera coincidência, era barrada pela oposição do senado paraguaio.
Em nosso país, os interesses políticos imediatos exigem uma série de acertos econômicos. Quem é a empreiteira que mais tocava obras da Copa? Ganhou um doce quem disse a Delta, de Cavendish e Cachoeira. Quem é que está querendo empurrar um porto parado para a Petrobrás? Ganhou um viagem ao Mali quem  disse Eike Batista, o amigo de Lula. Há muito tempo atrás, o PT descobriu que política se faz com votos e que votos custam dinheiro. 
A conseqüência, além da eleição de Lula, foi que a “governabilidade” levou à compra de uma base governista, que acabou custando caro.
Agro-negócio, barões da mídia, banqueiros, grandes construtoras, fundos de investimento, o grande capital foi muito bem durante os 10 anos de governos petistas. A própria Globo, símbolo maior da PIG, saiu de suas dificuldades econômicas e os herdeiros de Roberto Marinho voltaram ao ranking da Forbes. Para quem mesmo Lula deu sua primeira entrevista exclusiva após a eleição? Qual foi a emissora que Palocci escolheu para tentar explicar o puxadinho que tem em área nobre de São Paulo? Quem é que recebeu Dilma, antes da eleição, para um almoço e uma declaração explícita de apoio? Globo, Globo e a viúva de Roberto Marinho, são as respostas corretas.
Longe de mim defender uma teoria conspiratória e afirmar que por trás de todo ativista está o interesse financeiro. Grandes potências são movidas por várias considerações estratégicas. E grandes corporações sabem muito bem como casar essas opções com os seus negócios. Atrás da invasão americana do Iraque, vieram uma série de contratos para reconstruir o que havia sido destruído. Da mesma maneira, lobbistas sabem muito bem como unir seus negócios a projetos políticos, sem se preocuparem com a ideologia. Ambos convivem em relações complexas de simbiose, comensalismo e parasitismo, que, às vezes, se tornam conflituosas. Nos tempos de Nestor Kirchner, o Clarín era um aliado que passou a ser inimigo com Cristina. Hoje, Dilma se opõe a lei de meios, que tem um endereço certo, a Globo, antiga empregadora de Franklin Martins e Paulo Henrique Amorim. Sem falhar na Folha, onde trabalhava Luis Nassif.
A grande maioria de militantes está fora dessas jogadas e pensa apenas em um projeto político generoso. Sacrificam muitas vezes emprego e oportunidades de ascensão. Infelizmente, são atraídos por uma retórica maniqueísta que consegue unir debaixo do mesmo cobertor, Lula e Kim, El-assad e Chávez, Pútin e Raúl Castro, num sincretismo sem princípios, cuja única justificativa é um antiimperialismo e anticapitalismo extremamente vago, difuso e inconsistente.