Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.

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quarta-feira, 27 de julho de 2016

O Arrudas desemboca no Mar Báltico - Segunda Parte,Capítulo 4

O Clube de xadrez


O Clube fica na Curitiba, esquina com Carijós, no décimo terceiro andar. Como o alvará também permite jogos de cartas, quem é viciado em xadrez, assim que sai do elevador, vira à direita; quem vai jogar baralho vira à esquerda. A entrada dá para um amplo salão, cheio de mesas, com uma pequena sacada.
É o único clube da cidade. A elite enxadrística mineira está ali: Eugênio German, que participou da Olimpíada de Helsinque em 1952 e que tem norma de Mestre Internacional; Marcio Miranda, Jarbas Ladeira, Ruillon e os irmãos Entin: Isac e Boris. O primeiro conhecido como Isaquentinho. E o Cotta, naturalmente, vulgo Tampinha. Eu frequentava o clube para jogar relâmpago com um colega de Estadual, o Ronaldo. De vez em quando, participava de um lance do mestre, ou de um campeonato colegial.
O xadrez relâmpago, ou ping-pong, é disputado com um tempo de cinco minutos para cada jogador. O relógio de xadrez é composto por dois relógios independentes, montados numa caixa comprida, no formato de um tijolo. Cada um desses relógios tem um pino na parte de cima da caixa. O pino levantado indica que o tempo de quem tem a vez está correndo. Depois de fazer sua jogado, o jogador bate no pino, que se abaixa e para o seu relógio. Automaticamente, o pino do outro relógio se levanta e assim sucessivamente.
Cada mostrador tem uma bandeirinha vermelha móvel, bem na parte de cima - a seta. Ela é levantada pelo ponteiro de minutos. No exato momento em que a hora termina, o ponteiro ultrapassa a bandeirinha, que, sem apoio, cai. É o fim da partida.
A primeira solenidade é o acerto dos relógios. Um dos jogadores coloca cinco para as dez, nos dois mostradores e apresenta o relógio para o outro conferir. As mãos são apertadas, ambos se desejam boa sorte e o duelo começa. O grito de “a seta caiu” significa a derrota, não importa a posição que esteja no tabuleiro. O Ping é a coreografia perfeita para o Bolero de Ravel, o ritmo marcado pelo ruído seco dos tapas na caixa do relógio. A porrada ajuda a intimidar o adversário e favorece a caída da seta. O cabelo dos jogadores vai se eriçando; o cigarro derrama cinza por todo o tabuleiro e as caretas de dor ou de alegria ilustram o desenrolar da partida.
Numa partida de campeonato, o ritmo é menos frenético, um adágio lento. Os gestos são mais largos e demorados. Para se colocar um cavalo numa casa forte, o movimento próprio é o de atarraxar. Uma ou duas atarraxadas são suficientes para sublinhar a importância da casa conquistada.  Steinitz disse: - quando eu coloco um cavalo em 6R, posso ir para casa, porque o resto da partida se joga sozinho! As peças são tomadas com um movimento de varrer, em que a base de uma bate na base da outra. Imediatamente, as duas são agarradas e levadas juntas para fora do tabuleiro. As vítimas ficam amontoadas na borda da mesa, de preferência cada peça branca ao lado da peça negra equivalente. Isso facilita o trabalho do sapo, que, com uma olhada, já sabe quem está ganhando. Ou pensa que sabe.
As torres se movem na primeira fila empurradas pela lateral do dedo indicador, que alisa carinhosamente o tabuleiro, prolongando o suspense. Tarrasch dizia: - quando estiver em dúvida sobre qual torre colocar em uma coluna, se a da dama ou a do rei, analise criteriosamente a posição, veja qual é a jogada mais lógica e faça a outra! Os bispos percorrem sua diagonal com um movimento acelerado, freando em cima da casa ocupada. São peças de longo alcance, morteiros que podem atingir o outro lado do tabuleiro. Os cavalos devem saltar graciosamente, provocando a infantaria inimiga. Os meus costumam ficar com o focinho virado para trás, para oferecer a menor área possível à visão do inimigo. Tudo isso, para ser executado com perfeição, exige peças do modelo Stauton.
A dama adversária é tomada com um movimento de agarrar, em que os cinco dedos se fecham sobre a rainha, escondendo-a. Eu tentava inutilmente copiar o movimento dos grandes jogadores, treinando o modo certo de rodar o peão, preso pela pinça do polegar e do indicador. A base larga, com a sacudida inicial, deve fazer um giro de 180 graus, para, depois de outro impulso, completar a volta. Todas as peças vêm com um peso de chumbo na base. Como a base do peão é bem larga, em relação à sua cabeça, a rotação gera um grande momento angular, que pode determinar a fuga do peão pela tangente. O final da trajetória pode ser o outro jogador, ou, o que é pior ainda, em cima do tabuleiro. É um movimento de grande responsabilidade, que poucos dominam.



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