O Clube de xadrez
O Clube fica na Curitiba, esquina com Carijós, no décimo terceiro andar.
Como o alvará também permite jogos de cartas, quem é viciado em xadrez, assim
que sai do elevador, vira à direita; quem vai jogar baralho vira à esquerda. A
entrada dá para um amplo salão, cheio de mesas, com uma pequena sacada.
É o único clube da cidade. A elite enxadrística mineira está ali: Eugênio
German, que participou da Olimpíada de Helsinque em 1952 e que tem norma de
Mestre Internacional; Marcio Miranda, Jarbas Ladeira, Ruillon e os irmãos
Entin: Isac e Boris. O primeiro conhecido como Isaquentinho. E o Cotta,
naturalmente, vulgo Tampinha. Eu frequentava o clube para jogar relâmpago com
um colega de Estadual, o Ronaldo. De vez em quando, participava de um lance do
mestre, ou de um campeonato colegial.
O xadrez relâmpago, ou ping-pong, é disputado com um tempo de cinco
minutos para cada jogador. O relógio de xadrez é composto por dois relógios
independentes, montados numa caixa comprida, no formato de um tijolo. Cada um
desses relógios tem um pino na parte de cima da caixa. O pino levantado indica
que o tempo de quem tem a vez está correndo. Depois de fazer sua jogado, o
jogador bate no pino, que se abaixa e para o seu relógio. Automaticamente, o
pino do outro relógio se levanta e assim sucessivamente.
Cada mostrador tem uma bandeirinha vermelha móvel, bem na parte de cima -
a seta. Ela é levantada pelo ponteiro de minutos. No exato momento em que a
hora termina, o ponteiro ultrapassa a bandeirinha, que, sem apoio, cai. É o fim
da partida.
A primeira solenidade é o acerto dos relógios. Um dos jogadores coloca
cinco para as dez, nos dois mostradores e apresenta o relógio para o outro
conferir. As mãos são apertadas, ambos se desejam boa sorte e o duelo começa. O
grito de “a seta caiu” significa a derrota, não importa a posição que esteja no
tabuleiro. O Ping é a coreografia perfeita para o Bolero de Ravel, o ritmo
marcado pelo ruído seco dos tapas na caixa do relógio. A porrada ajuda a
intimidar o adversário e favorece a caída da seta. O cabelo dos jogadores vai
se eriçando; o cigarro derrama cinza por todo o tabuleiro e as caretas de dor
ou de alegria ilustram o desenrolar da partida.
Numa partida de campeonato, o ritmo é menos frenético, um adágio lento.
Os gestos são mais largos e demorados. Para se colocar um cavalo numa casa
forte, o movimento próprio é o de atarraxar. Uma ou duas atarraxadas são suficientes
para sublinhar a importância da casa conquistada. Steinitz disse: - quando eu coloco um cavalo
em 6R, posso ir para casa, porque o resto da partida se joga sozinho! As peças
são tomadas com um movimento de varrer, em que a base de uma bate na base da
outra. Imediatamente, as duas são agarradas e levadas juntas para fora do
tabuleiro. As vítimas ficam amontoadas na borda da mesa, de preferência cada
peça branca ao lado da peça negra equivalente. Isso facilita o trabalho do
sapo, que, com uma olhada, já sabe quem está ganhando. Ou pensa que sabe.
As torres se movem na primeira fila empurradas pela lateral do dedo
indicador, que alisa carinhosamente o tabuleiro, prolongando o suspense.
Tarrasch dizia: - quando estiver em dúvida sobre qual torre colocar em uma
coluna, se a da dama ou a do rei, analise criteriosamente a posição, veja qual
é a jogada mais lógica e faça a outra! Os bispos percorrem sua diagonal com um
movimento acelerado, freando em cima da casa ocupada. São peças de longo
alcance, morteiros que podem atingir o outro lado do tabuleiro. Os cavalos
devem saltar graciosamente, provocando a infantaria inimiga. Os meus costumam
ficar com o focinho virado para trás, para oferecer a menor área possível à
visão do inimigo. Tudo isso, para ser executado com perfeição, exige peças do
modelo Stauton.
A dama adversária é tomada com um movimento de agarrar, em que os cinco
dedos se fecham sobre a rainha, escondendo-a. Eu tentava inutilmente copiar o
movimento dos grandes jogadores, treinando o modo certo de rodar o peão, preso
pela pinça do polegar e do indicador. A base larga, com a sacudida inicial,
deve fazer um giro de 180 graus, para, depois de outro impulso, completar a
volta. Todas as peças vêm com um peso de chumbo na base. Como a base do peão é
bem larga, em relação à sua cabeça, a rotação gera um grande momento angular,
que pode determinar a fuga do peão pela tangente. O final da trajetória pode
ser o outro jogador, ou, o que é pior ainda, em cima do tabuleiro. É um
movimento de grande responsabilidade, que poucos dominam.