Nova
Galândia
As casas de
Nova Galândia, andar por andar, são a melhor ilustração de como funciona a
mente prática de um neogalandês.
A cidade
tem 90% de suas terras abaixo do nível do mar. Um povo menos prático logo teria
se mudado para um burgo menos inóspito.
Não os neogalandeses.
Não os neogalandeses.
Sob a
orientação do primeiro burgomestre, ergueram diques, abriram canais e começaram
a construir suas casas. Já naquela época, o espaço que caberia a cada família
era muito pequeno.
Fossem eles
menos práticos, teriam jogado os mais pobres nos pântanos que abundam na
periferia da cidade e erguido no centro casas espaçosas e confortáveis.
Não os
neogalandeses.
Que foram
se espremendo em casinhas estreitas, coladas umas às outras. E produzindo sem
cessar novos neogalandesinhos.
Ao tempo do
segundo burgomestre, viu-se a necessidade de dotar as casas de um novo andar,
para a nova geração. Um povo menos prático teria derrubado paredes e colocado
escadas adequadas. Que seriam pouco inclinadas, espaçosas, e com largos
degraus; antevendo que novas gerações viriam, que novos andares seriam
necessários, por onde novas mobílias seriam transportadas, escadas acima.
Não os
neogalandeses.
Hoje o
mundo todo admira a audácia arquitetônica de suas escadas, apontando diretas
para cima, com o espaço justo de um pé se firmar e com a largura necessária
para um neogalandês magro subir com algum esforço.
Veio uma
nova fornada de neogalandesinhos e um novo burgomestre. Aqui se faz necessário
salientar duas características marcantes dos cidadãos dessa cidade: sua saúde
admirável e seu respeito pela autoridade.
Graças a muita subida e descida de escadas, além das pedaladas em suas bicicletas, o povo se mantém em ótima forma. Sobre o respeito às decisões de seus burgomestres, iremos colhendo exemplos ao longo dessa narrativa.
Com a terceira geração, veio um novo desafio: como subir com a nova mobília até o novo andar, que acabara de ser construído?
Um povo menos prático teria feito rampas inclinadas de madeira, com trilhos e um sistema de contrapesos e de polias, por onde subiriam e desceriam até mesmo a mobília mais pesada.
Graças a muita subida e descida de escadas, além das pedaladas em suas bicicletas, o povo se mantém em ótima forma. Sobre o respeito às decisões de seus burgomestres, iremos colhendo exemplos ao longo dessa narrativa.
Com a terceira geração, veio um novo desafio: como subir com a nova mobília até o novo andar, que acabara de ser construído?
Um povo menos prático teria feito rampas inclinadas de madeira, com trilhos e um sistema de contrapesos e de polias, por onde subiriam e desceriam até mesmo a mobília mais pesada.
Não os
neogalandeses.
Mesmo hoje
o mundo se curva diante de sua engenhosidade e de sua praticidade. Seguindo a
sugestão do terceiro burgomestre, derrubaram paredes e, a partir do segundo
andar, construíram novas, inclinadas para a rua, emulando a Torre de Pisa. No
último andar, uma forte viga, com uma polia e uma corda reforçada, por onde
subiam e desciam os móveis.
Todavia,
não terminaram aqui as atribulações desse burgo notável. Uma nova geração já
crescia no ventre das mamães neogalandesas. Um novo andar inclinado colocaria o
centro de gravidade da casa fora de sua base e isso, como Galileu já sabia, não
seria bom.
Outro povo
menos prático teria esperado que a morte levasse a primeira geração, que morava
no primeiro andar. Seria um incômodo provisório.
Não os
neogalandeses.
Como já
dissemos, a saúde invejável desse povo poderia transformar esse arranjo
provisório numa longa espera. Seriam quatro gerações espremidas dentro de uma
casa, espremida entre outras, num espaço onde mal caberiam três. O que fazer?
O terceiro
burgomestre, que por acaso era filho do segundo, que por coincidência era filho
do primeiro, instituiu uma nova tradição: a cada novo neogalandesinho da quarta
geração, os neogalandeses da terceira pediriam aos avós da primeira um bercinho
para o bisneto.
O costume
estipulava que bisavôs e bisavós deveriam levar o bercinho (de madeira maciça,
segundo a tradição) com suas próprias mãos. Depois de uma subida, com esse
peso, pelas escadas neogalandesas, seria de se esperar um infarto. Mesmo o
neogalandês mais rijo não dispensa o seu cachimbo e sua cota diária de
colesterol, provida pelas vaquinhas neogalandesas, que fornecem leite, queijos
e carnes, em abundância.
Escapando do infarto, o sobrevivente, com as pernas ainda trêmulas, teria pela frente uma descida. No escuro, como manda a tradição. O resultado mais provável seria uma fratura de bacia ou mesmo um traumatismo craniano. Hospital, ou melhor ainda, necrotério.
Escapando do infarto, o sobrevivente, com as pernas ainda trêmulas, teria pela frente uma descida. No escuro, como manda a tradição. O resultado mais provável seria uma fratura de bacia ou mesmo um traumatismo craniano. Hospital, ou melhor ainda, necrotério.
Para dar
uma mãozinha na seleção natural, reza o costume que, antes da descida, deve-se
dar um tapinha gentil nas costas dos velhinhos.
Infelizmente,
com o passar das gerações, foi se deteriorando a praticidade neogalandesa, bem
como o respeito pela autoridade.
Seguindo o
exemplo do primeiro burgomestre, assim que pressentem que vão ser bisavós, os
velhinhos tratam de se mudar. Como consequência, a segunda geração desce para o
primeiro andar, a terceira para o segundo e a quarta, terá mais tarde o terceiro
andar, para morar e constituir família.
Essa
degeneração dos costumes afetou seriamente a tradição do bercinho dos bisnetos.
Assim é que em toda casa neogalandesa que se preze, moram apenas três gerações,
em três andares, com o terceiro gloriosamente inclinado, ostentando uma viga e
uma polia, hoje inúteis.
Sim, porque
alguém, não com certeza um neogalandês, inventou um sistema pouco prático de
rampa inclinada, com trilhos e contrapesos, por onde sobem e descem as
mobílias.
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