Dona Dilma é um personagem fascinante para um escritor.
Recentemente ela declarou que não respeita delatores e que nunca demitiu um ministro
com base na imprensa. Faltou com a verdade, em ambas afirmações.
Segundo um
artigo de Luis Maklouf, na Piauí, Dilma foi presa, barbaramente torturada,
resistiu o quanto pôde e, finalmente, levou a polícia a um ponto com um
companheiro metalúrgico. Ele narra a cena: quando avistou Dilma, perguntou se
ela estava bem. Ela fez uma cara desesperada e logo em seguida, os agentes
chegaram por todos os lados e o prenderam.
Não dá para esquecer uma cena assim. No entanto, Dilma
insiste em afirmar que resistiu e não entregou ninguém. Ela sempre foi evasiva
em relação a esse ponto. Agora foi clara, ao se defender das denúncias feitas
por um delator da Lava Jato. Não delatou e despreza os delatores.
O metalúrgico, que agora é caminhoneiro, estava na primeira
posse de Dilma. Ele não a condena, pelo contrário. No próprio artigo, afirma
que ela preservou os quadros de direção e os que tinham maiores contatos e
entregou somente ele, que conhecia muito pouco e que não poria em risco maior a
organização.
O procedimento exigido dos militantes por organizações como
a de Dilma era esse: resistir ao máximo e dar tempo para os companheiros,
alertados por sua ausência nos pontos combinados, se colocarem em segurança.
Sob essa ótica, o seu comportamento foi exemplar.
Mas... o bom senso indica que Dilma nunca deveria ter se
referido à delação de Pessoa da maneira como o fez. Nesses tempos de Google,
nenhuma afirmação resiste a uma pesquisa rápida, se não for verdadeira. Com
certeza, ela leu o artigo da Piauí. Então, como explicar esse lapso?
Em minha opinião, Dilma conserva sequelas graves da tortura.
Ela construiu, para preservar sua sanidade, uma versão, onde ela não delatou
(de acordo com o comportamento previsto por sua organização). Pode até ter
apagado a cena dela levando a polícia ao ponto marcado.
Nossa memória, reescreve tudo, cada vez que é acionada. Isso
acontece com todo mundo, comigo inclusive. É muito comum narrativas diferentes
da mesma cena, por dois personagens que estavam lá. Livros de memória registram
casos assim o tempo todo. Há um limite, é claro, para essas discrepâncias.
Dilma ultrapassou esse limite.
E as demissões de ministros? Isso é história recente,
recentíssima. De novo, penso que ela construiu uma versão onde ela resiste a
todas as pressões e não cede. Essa parece ser uma tônica no seu comportamento:
não escuta ninguém, não decide nada rapidamente e está sempre isolada.
Matéria recente, afirma que seus auxiliares a enganavam o
tempo todo sobre os números reais da economia, caso contrário, ela
"explodiria". Acho difícil, auxiliares fazerem isso com outro
presidente, mesmo sabendo de seu mau gênio. Aparentemente, o primeiro círculo à
sua volta já notou essa sua maneira peculiar lidar com a realidade.
Outro traço interessante é que esse primeiro círculo nunca é
estável. De Dilma I para Dima II mudou todo o chamado núcleo duro do poder,
aqueles com os quais ela mais se reúne. Dilma é cronicamente desconfiada. Um
personagem fascinante, para um escritor. Essa Dilma de ficção, que eu criei,
tentando aproximá-la de uma Dilma real, mereceria um Gabo, que escreveria
"Ninguém conhece a Presidente".
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