Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.

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Divulgação literária e outros babados fortes

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sábado, 22 de agosto de 2015

A invasão

Capítulo 3


Diário de bordo do capitão

O terceiro planeta, nos confins da Galáxia, orbitando um sol amarelo, revelou a existência de vida. Basicamente, alguns insetos de carapaça marrom, alguma fauna marinha e uma vegetação rala e rasteira. Havia ruínas por toda parte.
Num primeiro levantamento, os achados mais relevantes estavam em uma superfície branca, onde figuras e pequenos sinais indicavam uma linguagem elaborada. Chamamos essas lâminas de folhas. Geralmente elas estão agrupadas e protegidas por uma capa, no que chamamos de ensinador. Pela radiação que ainda persistia no ambiente, deduzimos que essa civilização foi exterminada em uma guerra nuclear.
Nosso tempo era curto e resolvemos nos concentrar numa edificação quase intacta. Nela haviam morado dois vulcanóides. Simetria axial, quatro membros, sendo os inferiores usados para locomoção. O povo do terceiro planeta possuía noções muito avançadas de Ciência. Levamos alguns exemplares de seus ensinadores. Pelas ilustrações, deduzimos que eles dominavam vários teoremas de nossa Ciência Natural e de nossa Ciência das Relações. Mais um pouco e seriam capazes de se aventurarem pela Galáxia.
Eram adeptos de um jogo de tabuleiros, com 64 casas e 6 peças diferentes. O jogo deveria ser extremamente popular, porque achamos mais de quinhentos ensinadores dedicados à eles. Observando seus diagramas, conseguimos descobrir os símbolos que usavam para anotar suas jogadas.
Graças ao que deveria ser um manual, resgatamos todas as regras desse jogo e até mesmo reproduzimos partidas. Nossa tripulação agora não para de jogar. Alguns já conseguem acompanhar as partidas e entender as estratégias envolvidas. Em breve nossos cientistas criarão um programa capaz de igualar os jogadores vulcanóides mais hábeis.
Havia alguns dispositivos que sugeriam que eles faziam uso intensivo de informação codificada eletronicamente. O tempo e pulsos eletromagnéticos muito intensos tornaram impossível recuperar qualquer informação contidas nesses aparelhos e em pequenos objetos, que, ou se encaixavam em aberturas laterais, ou eram colocados dentro dos dispositivos.
Na habitação que estudamos, cada cômodo tinha uma função específica. O vedor, era montado em função de um aparelho que, com certeza, reproduzia imagens. O consultor abrigava os ensinadores. O repousador era onde dormiam e guardavam o vestuário. O limpador, onde se lavavam e excretavam. Havia ainda o comedor e vários outros aposentos que pareciam servir para múltiplos fins. Nós os chamamos de guardadores.
Esse povo adorava vários deuses. Um deles era um vulcanóide de outra espécie, ereto, com a frente branca, o dorso negro, um bico e apêndices que não serviam para voar. Ele ficava em cima de uma máquina de calor. Observando mais de perto essa máquina, descobrimos que ela também servia para resfriar sua parte interna. Provavelmente, o deus era o senhor do frio e zelava pela conservação dos alimentos ali guardados.
Os outros deuses eram muito mais graciosos. Corpo esguio, quatro membros locomotores, garras e uma cauda. Não pareciam ter uma função específica. Havia reproduções deles por toda a parte e pequenas estátuas, quase cinquenta, no que parecia ser uma altar doméstico. Deveriam ser animais sagrados, pois encontramos pequenos recipientes, que provavelmente eram usados para colocar oferendas e alimentos para eles.
Nosso suboficial de ciências levantou a hipótese de eles serem os deuses do sono, pois apareciam dormindo em muitas reproduções e seus esqueletos foram encontrados sobre o retângulo que os vulcanóides usavam para dormir.
Esses deveriam ser deuses antigos, domésticos ou de um só clã. Os cultos coletivos eram realizados em arenas, quase sempre circulares, com um retângulo onde se viam estranhas marcas desenhadas sobre uma vegetação verde. Havia dois grupos de sacerdotes e seus seguidores usavam suas cores. Nessa habitação havia várias bandeiras, roupas e símbolos com as cores preta e branca. Três letras apareciam sempre: CAM.
Nossa nave pode carregar pouco peso, somos feitos para exploração rápidas em ambientes que podem ser hostis. Levamos alguns exemplares de seus ensinadores. Eles ficavam agrupados em estruturas de metal, uma ao lado do outra, ordenados por assunto. Escolhemos alguns exemplares de cada estrutura dessas.
Nosso achado mais importante foram ensinadores que chamamos de significadores. Seu objetivo era o de registrar o nome de todas as coisas e explicar a sua função. Eles seguem uma ordem alfabética. Achamos significadores escritos no que pareciam várias línguas. Alguns, que chamamos de translatores, relacionavam duas línguas diferentes. Só nos ensinadores daquele jogo, que chamamos de batalha real, encontramos umas dez línguas diferentes e dois alfabetos distintos.
Certamente nossos sábios decifrarão a linguagem predominante nos ensinadores, com o auxílio dos explicadores. Começarão pelos símbolos concretos e chegarão até sua gramática, seus relacionadores e conectores. Mais tarde, se houver interesse e recursos, faremos uma expedição para explorar essa civilização perdida.

Relatório do oficial de Ciências.
A civilização do terceiro planeta atingiu um nível elevado de conhecimento científico. Através das partidas de batalha real, calculamos que possuíam uma inteligência de nível 5, em nossa escala. Eram cultos e dominavam vários idiomas. Por outro lado, adoravam deuses domésticos, específicos de cada clã e possuíam uma religião coletiva com rituais primitivos. Grau 8, em nossa escala de superstição.
Eram povos guerreiros, que sublimavam suas paixões através da Batalha Real.
Essa contradição, entre suas tendências primitivas e avançadas, se resolveu com a aniquilação total, através de uma guerra nuclear. Seria de grande interesse para os nossos estudiosos de dinâmicas sociais, entender o que desencadeou esse conflito. Recomendo que se retorne a esse planeta, para uma coleta maior de dados.




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