Imagino a cena. O foca perguntando a Hemingway: por que você resolveu se estabelecer na Espanha?
Um suspiro e a resposta seca – pelos touros.
- E em Cuba?
- Pelo rum.
O argentino Guevara, um belo dia, meteu na cabeça conhecer o nosso continente e saiu em excursão. Foi uma experiência decisiva. Como na propaganda, ele continuou andando: México, Cuba, Congo, Bolívia.
Os pais de Lula, inconformados com a miséria, fizeram suas trouxas e rumaram para o Eldorado paulista. Uma gotinha no regato da migração interna, afluente de uma grande corrente universal.
O ser humano normal viaja por prazer, por necessidade, por ideal, pelo que lhe der na telha. Pára onde lhe agrada e vai embora quando quer. Somos homens e a Terra é a nossa casa. O nosso local de nascimento é um acidente. É apenas uma posição particular no continuo espaço-tempo. Dentro de si carregamos aquilo que não é contingente, nossa essência. Estivessem onde estivessem, Hemingway era um grande escritor e Che um grande revolucionário.
Dito isto, para mim fica claro que ir e vir é um negócio particular. Cumpridas as formalidades legais, tenho o direito de me deslocar para onde eu quiser. O direito de ser recebido é outra história. Aí entra em consideração a soberania. Cada um administra sua casa como quiser e só recebe quem julgue que deva receber.
As leis, em tese, devem ser impessoais. Na sua aplicação, toma-se o caso particular e verifica-se se ele preenche os requisitos gerais. Satisfeitos estes, está assegurado o direito ou aplicada a sanção.
Os mais espertos já chegaram à conclusão que eu queria: o governo cubano deveria ter autorizado a saída de Yoanis. Alguns mais exaltados dirão: mas ela só virá ao Brasil fazer provocações!
Fazer uma declaração que desagrade ao governo cubano não é crime, pois não? É apenas uma opinião. É o que faço o dia inteiro no Facebook: dar a minha opinião. Crítico as posições de nossa presidente e as suas declarações. Até mesmo o seu corte de cabelo estilo cotonete eu já me meti a criticar. E aplaudo suas decisões corretas. É a tal da política. Eu, como cidadão, não devo me omitir dos assuntos da minha cidade, país ou até mesmo do mundo.
No fundo, o que indigna muita gente é que Yoanis está colocando em xeque mitos muito fortes. A esquerda anda tremendamente carente. O muro caiu, o leste europeu se esfacelou, a China se aburguesou, sobrou apenas uma pequena ilha. E eis que a mocinha proclama para o mundo todo que a vida em Cuba é uma droga e que o seu governo não respeita os direitos humanos. É insuportável. É ofensivo.
Eu já li o seu blog. Mostra uma Cuba não muito diferente da que eu conheci. Depois de 50 anos de revolução, ela não confia mais no socialismo como alternativa. "O modelo cubano não funciona mais nem mesmo para nós". Quem disse isto não foi ela. Foi Fidel em uma entrevista ao jornalista Jeffrey Goldberg.
Cuba está no meio de reformas decisivas. Seria talvez o momento de apelar para que os seus cidadãos participassem mais ativamente dos negócios políticos. Na Grécia antiga, um arauto lia o tema em pauta e perguntava: quem pede a palavra? Hoje, com a Internet, o cidadão pode fazê-lo sem sair de casa. É o que Yoanis está fazendo. Se certa ou errada, é outra questão.
Também é possível bancar o avestruz e achar que as assembléias do Partido único são democráticas, que as pessoas vão se manifestar nelas livremente, que ninguém vai ter medo de criticar as autoridades, porque sabe que não será punido, e assim por diante. A União Soviética fez isso por um longo tempo.
No fim, os oportunistas de sempre saíram do barco antes que ele afundasse. Usaram os fundos partidários para negociatas e compraram e venderam o país na bacia da alma. Eram todos comunistas de carteirinha. Foram leais ao regime até a véspera da queda. No dia seguinte, juraram que eram democratas desde criancinhas e foram ajudar a lacrar as sedes do Partido. Hoje são chamados de oligarcas.
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