É próprio do ser humano criar imagens e mitos sobre processos que conhecemos pouco. A revolução cubana atraiu minha atenção desde o início. Em 59, minha simpatia estava toda com os barbudos. Minha e de toda uma geração. Lembro da revista A Turma do Pererê, do Ziraldo, que dedicou um número à luta entre o Saci e a turma rival, que havia tomado a Mata do Fundão. O uniforme dos rebeldes era uma barba postiça, numa alusão claríssima aos cubanos.
Mais tarde, quando começou minha militância política, tomei uma posição mais crítica. O voluntarismo das organizações revolucionárias, que queriam criar vários Vietnãs na América Latina, copiando o que achavam ser o modelo cubano, não me atraia.
Na década de 70, Cuba se tornou um aliado incondicional da União Soviética e com a derrota da luta armada em praticamente toda a América Latina, perdeu seu poder de atração.
Em 90, com a queda do bloco soviético, a ilha ficou por conta própria. Foi o chamado período especial. Em 97 visitei Cuba. Encontrei um país vivendo quase todo de cesta básica, uma falta de absurda de itens básicos e um povo extremamente caloroso e hospitaleiro. Havia um corte claro de gerações. Os mais novos, que não conheceram o regime de Batista e os avanços espetaculares dos primeiros anos, só tinham como referência o retrocesso e a queda do padrão de vida. Eram freqüentes às reclamações sobre a falta de liberdade.
Recentemente, com a doença de Fidel e o anúncio das reformas, comecei a me interessar mais de perto por Cuba. Vejo nela sinais preocupantes, que podem levar à uma implosão no estilo soviético. Durante anos, havia reunido uma pequena biblioteca sobre a Revolução Cubana e comecei a estudá-la, além de pesquisar na Internet.
Gosto muito deste trabalho de confrontar várias fontes e informações conflitantes. Vários conceitos prévios tiveram que ser modificados e aos poucos vai surgindo uma imagem mais coerente.
Quando li as memórias de Gregório Bezerra, deparei com uma imagem muito poderosa, que era uma constante na defesa que ele fazia dos desvios e deformações da Revolução Russa: um sexto do mundo estava construindo o socialismo e aos capitalistas interessava desmoralizar esta experiência, para continuarem dominando a classe operária. Por isso, ele defendia incondicionalmente os dirigentes soviéticos.
Em relação à Cuba, criou-se a imagem das 90 milhas, ou dos 120 Km de distância, que a separam dos Estados Unidos. O embargo, além da ameaça constante de uma intervenção, somados a presença americana em Guantánamo, são um atenuante à qualquer crítica mais contundente.
Entretanto, há uma face oculta da Revolução que não admite nem remotamente a desculpa das 90 milhas: a repressão aos homossexuais e o seu confinamento em campos de concentração.
Logo nos primeiros anos da revolução, no seu período romântico, os dirigentes adotaram a idéia de que era preciso construir um novo homem. Neste modelo, o puritanismo, o tradicional machismo cubano e o realismo socialista soviético se fundiram para decretar que os homossexuais eram covardes por natureza, sujeitos à chantagem, potencialmente inimigos da revolução e perigosos por sua influência sobre a juventude.
Foram criados os campos de concentração intitulados de UMAP. Unidades Militares de Ajuda a Produção. Para eles foram enviados os homossexuais, os afeminados, os jovens que usavam calças justas e cabelos compridos, os hippies, os crentes e uma série de indesejáveis. Pablo Milanés foi um destes.
Além dos maus tratos que sofreram nos campos, que incluíam maus tratos físicos e péssima alimentação, os homossexuais foram, em muitos casos, proibidos de exercerem suas profissões. O surrealismo chegou ao ponto de um cidadão ser proibido de trabalhar e ser perseguido por ser um parasita, já que não trabalhava.
Fidel Castro, pessoalmente, assumiu esta campanha. Faz pouco tempo, ele admitiu que errou. A sua sobrinha, Mariela, atualmente a frente do CENESEX, Centro Nacional de Educação Sexual, por ironia da história, é lésbica. Hoje em Cuba, já se realizam operações de mudanças de sexo. Há uma piada que diz que em Cuba é mais fácil mudar de sexo do que mudar de partido.
Ela declarou sobre as UMAP e às perseguições sofridas pelos indesejáveis:
"Pedir perdón sería una gran hipocresía. (…) Me alegro que aquí no se pida perdón, sino que se traten de establecer reglas y leyes para que nunca más ocurra".
Governar é nunca ter que pedir perdão.
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