Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.

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Divulgação literária e outros babados fortes

Versos cretinos, crônicas escrotas e contos requentados. O resto é pura prosa.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

A Moringa Oleífera




Fidel, em suas recentes reflexões,  recorda o conselho que Deng Xiao Ping deu aos americanos em 79: “porque vocês não castigam Cuba, como nós fizemos com os vietnamitas?”. Sua memória passada é melhor que a da maioria da esquerda, que não ouviu, ou não quer ouvir falar, da expedição punitiva que os chineses lançaram contra o Vietnã.
Recorda Honecker, outra lembrança traumática. O dirigente alemão, que caiu junto com o Muro e foi varrido da história, quando a população da antiga RDA votou pela unificação com a outra Alemanha. Refugiado na antiga União Soviética, foi entregue por Yeltsin, submetido a julgamento e, como medida de clemência, foi-lhe permitido passar seus últimos dias no Chile, onde morreu em 1994.
       A lamentar que, nos últimos dias, a mente do Comandante ande lhe pregando peças. Em reflexão sobre a Moringa Oleífera e a amoreira, ele recomenda a plantação destas duas espécies vegetais, fontes massivas de carne, leite e ovos (sic).
    Ao contrário de Fidel, o governo cubano trata de obliterar o passado distante, trocando memórias incômodas por ações pontuais no presente. Em seu périplo pelos Estados Unidos, Mariela Castro, filha de Raúl, além de manifestar seu apoio à candidatura Obama, reafirmou, em um encontro sobre o tema, os avanços de seu país no campo dos direitos dos homossexuais.
A exemplo de outros países, Cuba tem um passivo muito grande nesta questão. Logo após a Revolução triunfar, os três Pês - prostitutas, pederastas e proxenetas - foram presos em massa, enfiados em uniformes com um grande P nas costas e enviados para as UMAP (Unidades Militares de Apoio à Produção), semelhantes a campos de concentração.
“Em 1971, ocorre o Congreso Nacional de Educación y Cultura em Havana, onde se propõem medidas reeducativas para os que apresentam “síntomas aparentes” de desvio moral e contra-revolucionário. Sendo assim, o trabalho nas UMAP ... serviria como método terapêutico. A partir deste evento, toda a população é conclamada a se converter em vigilante da revolução. Havia três classificações para os subversivos: hippies, homossexuais e “conducta impropia” (classificação indefinida onde tudo cabia).”
“Heberto Padilla fala sobre a viagem à Bulgária de Raúl Castro, um dos que mais se incomodavam com a questão dos gays na ilha. Segundo ele, o irmão de Fidel retorna ao país com a idéia de criar campos de concentração para varrer os homossexuais das ruas. Além disso, um cientista tcheco trouxe para Cuba técnicas pavlovianas de “educación erótica” dos gays e lésbicas, entretanto o que acontecia era que “los pájaros” dissimulavam com facilidade o abandono do desejo homossexual e continuavam suas aventuras eróticas com os guardas. Padilla destaca, com isso, a capacidade dos homossexuais cubanos de “salir del dolor”. Guillermo Cabrera Infante diz ter se revoltado com a prisão de Virgilio Piñera na praia de Guanabo, pois “se lo detuvo simplemente por la manera como se manifestaba públicamente, es decir, por lucir o aparecer afeminado”. Piñera havia sido denunciado pelo chefe do  comité de defensa do seu bairro, pois este homem queria ficar com sua casa.”
            E aqui voltamos a 2012, ano do centenário de Piñera. Segundo o Cuba Debate de 19 de junho: “La figura del dramaturgo mayor de Cuba,Virgilio Piñera, será protagonista del Coloquio Internacional Piñera tal cual , inaugurado hoy en La Habana, a propósito del centenario del natalicio del literato y poeta.
A Ecured é a versão computadorizada da antiga Grande Enciclopédia Soviética, que trazia o quem é quem oficial. Nelas se lê: “A partir de 1971, como parte de errores en la política cultural de la Revolución que se apartaron de los principios definidos por Fidel en sus "Palabras a los intelectuales", Piñera dejó de ser publicado en Cuba, esta política fue gradualmente rectificada luego de creado el Ministerio de Cultura en 1976. Hoy es ampliamente reconocido y su obra difundida y estudiada.
“Cabrera Infante enfatiza o machismo espanhol arraigado em Fidel: “Fidel Castro no hace nada que no sea para mostrar cuán macho, cuán superhombre, supermacho es él”.  Armando Valladares conta a história de Robertico, um menino de apenas 12 anos que foi preso pelo governo. Depois de ser estuprado na cadeia, Robertico começa a ser barbaramente agredido por chorar e chamar constantemente por sua mãe. Para Cabrera Infante, os homossexuais cubanos eram dissidentes em relação à norma burguesa de vida em casal, dentro de um matrimônio heterossexual, adotada sem qualquer tipo de questionamento pelos líderes da Revolução Cubana. Fidel diz que chegou a ter mais de 15.000 presos “contrarrevolucionarios”, que para ele eram julgados “dignamente”. Ana María Simo diz que, mesmo presa, seguia sendo revolucionária, porque pensava que ela sim lutava, de fato, por uma revolução radical, ao contrário “de los ignorantes pequeños burgueses como Castro”. Simo, que chegou a ser internada em um hospital psiquiátrico por desvio moral, denuncia o modo como as mulheres eram tratadas na prisão: em uma cela estreita, sem vaso sanitário, eram colocadas 40 detentas. Ela conta ainda que ficou assustada ao perceber que um poeta do porte de Nicolás Guillén era considerado como “un delicuente cualquiera por los jefes de la cárcel”. René Ariza  – um artista de rua exilado nos EUA  – diz que ser “estranho” é motivo para ser cruelmente reprimido em Cuba: “no es una actitud sólo de Castro. Hay muchos Castros. Y hay que vigilar el Castro que tenemos adentro”.
É justamente para este Castro que temos dentro de nós que escrevo. Transformar toda uma política de estado de repressão aos homossexuais em “erros de uma política cultural que se afastaram das orientações de Fidel” é o mesmo que justificar novamente esse passado. Não se pode se pode reescrever a história de uma Revolução usando a memória seletiva, ou, pior ainda, plantando memórias.
As citações são do artigo “Piquetes e charutos: sobre críticas de Perlongher e Sarduy à repressão homossexual” de Antonio Andrade e podem ser encontradas em:
As reflexões de Fidel se acham no site Cuba Debate:











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