Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.

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Divulgação literária e outros babados fortes

Versos cretinos, crônicas escrotas e contos requentados. O resto é pura prosa.

domingo, 10 de junho de 2012

2012 - O início do fim III


Onde se explica a singularidade brasileira, sob a ótica dos marqueteiros, nossos melhores cientistas sociais.
Estudos feitos pela marqueteiros, que estão entre os nossos cientistas sociais mais respeitados, estabeleceram que a escolha de nossos governantes oscila entre dois modelos: o pai autoritário, que impõe uma disciplina severa e regras rígidas e o paizão, que está sempre contemporizando e administrando os conflitos. O primeiro atende às nossas expectativas imediatistas, que querem sempre uma solução simples e rápida para um problema complexo; o outro satisfaz a nossa índole conciliadora.
Seja qual for o governante de plantão, estamos sempre otimistas. Deus é brasileiro. O Brasil é uma entidade mítica, muito maior do que a soma de todos os brasileiros. É comum, em época de crise, uma pesquisa apontar que, para a maioria da população, a sua situação individual vai piorar. Simultaneamente, a maioria acha que o “Brasil” vai melhorar. De certa maneira, essas qualidades, que, isoladamente, favorecem o equilíbrio do sistema: tendência conciliadora, facilidade de adaptação e de improvisação, confiança na autoridade, credulidade, quando misturadas e combinadas geram uma sinergia tal que maximizam a nossa estabilidade.
Tudo isso é temperado com contrapressões e desvios: somos cordiais em determinados ambientes sociais e extremamente agressivos em outros: estados de futebol e bailes funk, por exemplo. Possuímos uma tendência a aceitar a autoridade, ao lado de uma desconfiança crônica de qualquer instituição. A toda hora surge uma piada nova sobre o chefe, o técnico do time, o presidente. A capacidade de improvisar é contraposta a um horror ao estudo sério e aprofundado. Essa diversidade cria uma dinâmica muito interessante.
Os melhores estudos de nosso comportamento social vêm dos roteiristas de novela e dos marqueteiros. Que, aliás, são atividades muito próximas. Os últimos desenvolveram a técnica da analise dinâmica de pequenos grupos. Algumas pessoas, de várias faixas etárias e sociais, são colocadas juntas e um animador expõe o produto que se quer vender – um candidato ou um novo sabão em pó. As pessoas defendem os seus pontos de vista iniciais, discutem, evoluem de posição e relacionam os pontos fracos e fortes do produto.
Aí começa a semelhança com as novelas, outro grande laboratório social: os personagens mudam de acordo com as expectativas geradas. Não só no visual, mas na própria personalidade. Um pequeno índice de rejeição é suficiente para alavancar um candidato. Na verdade, é o principal indicador da viabilidade de sua candidatura. Marqueteiros mais experientes chegam a dizer que um político desconhecido é mais fácil de ser trabalhado do que aquele que já fixou uma imagem.
Marqueteiros e roteiristas trabalham com a percepção da realidade. Esta é tratada como um roteiro provisório. A campanha ou a novela são dinâmicas, envolvem um realimentação contínua. É feito um roteiro inicial, gravam-se alguns capítulos e, daí em diante, a interatividade é total.
Quando o país desmoronou e o caos tomou conta, as elites demoraram um dia para encontrar a saída: chamar de volta o ex-presidente. O resto da semana foi dedicado a planejar os primeiros capítulos de sua volta. Optou-se por um líder mais maduro e severo. O primeiro pronunciamento de Lua seria um puxão de orelhas coletivo. Pediria austeridade e sacrifício. Ao mesmo tempo, diria que confiava no nosso povo e que as dificuldades eram passageiras.
A solução achada para se preservar a estrutura social foi bastante complexa. O dinheiro não existia mais. Algumas partes do estado estavam intactas e não haviam deixado de funcionar, devido à sua grande inércia. O judiciário era uma delas, algumas repartições públicas também. Era necessário achar alguns pontos de apoio e definir alguns serviços essenciais. A televisão continuaria, jornais e revistas não. Lixeiros eram essenciais. A internet também. Ela abrigaria toda a mídia descartável: CD, DVD, jornais, livros, etc. A meta era preservar o máximo de informação possível. A estagnação da ciência e da pesquisa era prevista.
 Alimentação, vestuário, moradia, energia elétrica, água, seriam garantidos. Os empregados seriam pagos com um vale geral, os bancos reabriram para trabalhar com uma nova moeda, o Possível. Não é o Real nem o ideal, é o Possível! – dizia o slogan. A campanha foi um sucesso. 
As atividades típicas de estado agora eram: manter a ordem e administrar os programas de distribuição de vales. O Vale-Tudo, como ficou conhecido, era um cartão magnético. Com ele se compravam comida, roupa, ingresso para o futebol e se pagavam as conta de luz, de água, de telefone, etc. Impostos foram abolidos. As escolas foram fechadas temporariamente. Todos foram aprovados.
As fronteiras, na medida do possível, foram fechadas. As viagens canceladas. Não havia mais governos centrais em parte alguma do mundo. Apenas no Brasil, na China e numa meia dúzia de paises exóticos. A Suazilândia, por exemplo, manteve intacta sua monarquia.
O resto do mundo regrediu a um feudalismo com internet, com barões locais e bandos de saqueadores vagando pelas cidades. O dinheiro parou de ser aceito e o comércio voltou ao escambo, feito em algumas feiras. Quando um barão provava que era capaz de defender o seu território, começava a cunhar moeda. Sua proteção era paga com o trabalho no campo ou no exército. Algumas vezes, os empregados das hidroelétricas   continuavam a trabalhar, recebendo em gêneros alimentícios e outros. A internet não chegou a parar.
No Brasil, havia um governo central, apoiado pelo consenso, sem parlamento e com sátrapas locais nomeados.   Na China, a estrutura governamental ficou intacta. O país virou um campo de concentração, dirigido para a produção de produtos básicos. Chamaram de comunismo de guerra. O dinheiro foi abolido, só circulavam os cartões de racionamento.
Oliveira havia conseguido modelar um país virtual, o Bananal. Era uma matriz de 1000 células, cada uma delas um habitante fictício. A cada rodada mensal, as condições iniciais eram atualizadas. O modelo começou a ser testado antes da última onda. Era alimentado com os fatos econômicos, sociais, artísticos, esportivos, culturais mais importantes e a resposta comparada com a realidade. Lá pela décima versão, o algoritmo havia sido tão refinado que o Bananal se tornou um mini-Brasil.
A terceira onda foi a prova de fogo. Uma semana depois do discurso de Dona Vilma, Oliveira procurou o novo presidente para mostrar que o modelo havia previsto o improvável. O Bananal era estável e o novo ponto de equilíbrio alcançado era muito próximo ao do Brasil real.  Foi nomeado Ministro da Projeção Social (antigo Ministério do Planejamento) e passou a comandar uma equipe de roteiristas e marqueteiros que já estavam trabalhando informalmente para o governo.







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