Onde se explica a singularidade brasileira, sob a ótica dos marqueteiros, nossos melhores cientistas sociais.
Estudos feitos pela
marqueteiros, que estão entre os nossos cientistas sociais mais respeitados,
estabeleceram que a escolha de nossos governantes oscila entre dois modelos: o pai autoritário, que impõe uma
disciplina severa e regras rígidas e o paizão,
que está sempre contemporizando e administrando os conflitos. O primeiro atende
às nossas expectativas imediatistas, que querem sempre uma solução simples e
rápida para um problema complexo; o outro satisfaz a nossa índole conciliadora.
Seja qual for o governante de
plantão, estamos sempre otimistas. Deus é brasileiro. O Brasil é uma entidade
mítica, muito maior do que a soma de todos os brasileiros. É comum, em época de
crise, uma pesquisa apontar que, para a maioria da população, a sua situação
individual vai piorar. Simultaneamente, a maioria acha que o “Brasil” vai
melhorar. De certa maneira, essas qualidades, que, isoladamente, favorecem o
equilíbrio do sistema: tendência conciliadora, facilidade de adaptação e de
improvisação, confiança na autoridade, credulidade, quando misturadas e
combinadas geram uma sinergia tal que maximizam a nossa estabilidade.
Tudo isso é temperado com
contrapressões e desvios: somos cordiais em determinados ambientes sociais e
extremamente agressivos em outros: estados de futebol e bailes funk, por
exemplo. Possuímos uma tendência a aceitar a autoridade, ao lado de uma
desconfiança crônica de qualquer instituição. A toda hora surge uma piada nova
sobre o chefe, o técnico do time, o presidente. A capacidade de improvisar é
contraposta a um horror ao estudo sério e aprofundado. Essa diversidade cria
uma dinâmica muito interessante.
Os melhores estudos de nosso
comportamento social vêm dos roteiristas de novela e dos marqueteiros. Que,
aliás, são atividades muito próximas. Os últimos desenvolveram a técnica da
analise dinâmica de pequenos grupos. Algumas pessoas, de várias faixas etárias
e sociais, são colocadas juntas e um animador expõe o produto que se quer
vender – um candidato ou um novo sabão em pó. As pessoas defendem os seus
pontos de vista iniciais, discutem, evoluem de posição e relacionam os pontos fracos
e fortes do produto.
Aí começa a semelhança com as
novelas, outro grande laboratório social: os personagens mudam de acordo com as
expectativas geradas. Não só no visual, mas na própria personalidade. Um
pequeno índice de rejeição é suficiente para alavancar um candidato. Na
verdade, é o principal indicador da viabilidade de sua candidatura.
Marqueteiros mais experientes chegam a dizer que um político desconhecido é
mais fácil de ser trabalhado do que aquele que já fixou uma imagem.
Marqueteiros e roteiristas
trabalham com a percepção da realidade. Esta é tratada como um roteiro
provisório. A campanha ou a novela são dinâmicas, envolvem um realimentação
contínua. É feito um roteiro inicial, gravam-se alguns capítulos e, daí em
diante, a interatividade é total.
Quando o país desmoronou e o
caos tomou conta, as elites demoraram um dia para encontrar a saída: chamar de
volta o ex-presidente. O resto da semana foi dedicado a planejar os primeiros
capítulos de sua volta. Optou-se por um líder mais maduro e severo. O primeiro
pronunciamento de Lua seria um puxão de orelhas coletivo. Pediria austeridade e
sacrifício. Ao mesmo tempo, diria que confiava no nosso povo e que as
dificuldades eram passageiras.
A solução achada para se
preservar a estrutura social foi bastante complexa. O dinheiro não existia
mais. Algumas partes do estado estavam intactas e não haviam deixado de
funcionar, devido à sua grande inércia. O judiciário era uma delas, algumas
repartições públicas também. Era necessário achar alguns pontos de apoio e
definir alguns serviços essenciais. A televisão continuaria, jornais e revistas
não. Lixeiros eram essenciais. A internet também. Ela abrigaria toda a mídia
descartável: CD, DVD, jornais, livros, etc. A meta era preservar o máximo de
informação possível. A estagnação da ciência e da pesquisa era prevista.
Alimentação, vestuário, moradia, energia
elétrica, água, seriam garantidos. Os empregados seriam pagos com um vale
geral, os bancos reabriram para trabalhar com uma nova moeda, o Possível. Não é
o Real nem o ideal, é o Possível! – dizia o slogan. A campanha foi um
sucesso.
As atividades típicas de estado
agora eram: manter a ordem e administrar os programas de distribuição de vales.
O Vale-Tudo, como ficou conhecido, era um cartão magnético. Com ele se
compravam comida, roupa, ingresso para o futebol e se pagavam as conta de luz,
de água, de telefone, etc. Impostos foram abolidos. As escolas foram fechadas
temporariamente. Todos foram aprovados.
As fronteiras, na medida do
possível, foram fechadas. As viagens canceladas. Não havia mais governos
centrais em parte alguma do mundo. Apenas no Brasil, na China e numa meia dúzia
de paises exóticos. A Suazilândia, por exemplo, manteve intacta sua monarquia.
O resto do mundo regrediu a um
feudalismo com internet, com barões locais e bandos de saqueadores vagando
pelas cidades. O dinheiro parou de ser aceito e o comércio voltou ao escambo,
feito em algumas feiras. Quando um barão provava que era capaz de defender o
seu território, começava a cunhar moeda. Sua proteção era paga com o trabalho
no campo ou no exército. Algumas vezes, os empregados das hidroelétricas continuavam a trabalhar, recebendo em
gêneros alimentícios e outros. A internet não chegou a parar.
No Brasil, havia um governo
central, apoiado pelo consenso, sem parlamento e com sátrapas locais
nomeados. Na China, a estrutura
governamental ficou intacta. O país virou um campo de concentração, dirigido
para a produção de produtos básicos. Chamaram de comunismo de guerra. O
dinheiro foi abolido, só circulavam os cartões de racionamento.
Oliveira havia conseguido
modelar um país virtual, o Bananal. Era uma matriz de 1000 células, cada uma
delas um habitante fictício. A cada rodada mensal, as condições iniciais eram
atualizadas. O modelo começou a ser testado antes da última onda. Era
alimentado com os fatos econômicos, sociais, artísticos, esportivos, culturais
mais importantes e a resposta comparada com a realidade. Lá pela décima versão,
o algoritmo havia sido tão refinado que o Bananal se tornou um mini-Brasil.
A terceira onda foi a prova de
fogo. Uma semana depois do discurso de Dona Vilma, Oliveira procurou o novo
presidente para mostrar que o modelo havia previsto o improvável. O Bananal era
estável e o novo ponto de equilíbrio alcançado era muito próximo ao do Brasil
real. Foi nomeado Ministro da Projeção
Social (antigo Ministério do Planejamento) e passou a comandar uma equipe de
roteiristas e marqueteiros que já estavam trabalhando informalmente para o
governo.
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