Onde se conta como o mundo acabou. As profecias maias estavam erradas e a culpa não foi de Nabiru - todos os méritos foram de nossa presidente, Dona Vilma.
O fim do mundo
O mundo acabou em 2012. Ou pelo
menos a civilização ocidental e cristã, tal como a conhecemos. Foi como um
tsunami: três ondas consecutivas, sendo a terceira a mais destrutiva. Primeiro
a quebradeira, depois a recessão e, no fim, a hiper-mega-inflação.
A primeira não foi surpresa. Banqueiros e grandes
investidores há muito sabiam que a economia estava rodando em falso. A moeda
fiduciária é sustentada pela fé. Ou na falta desta, pela convicção de que as
coisas só devem mudar se houver algo melhor para colocar em seu lugar. Enquanto
ninguém conseguia conceber um mundo em que o General Grant fosse apenas um
herói da guerra civil, o dólar mantinha o seu livre curso.
A primeira onda passou e deixou um rombo de centenas
de bilhões nas carteiras dos bancos. Alguns afundaram. A economia mundial,
embora atingida na linha d’água, continuou flutuando. Como o Patna: sem rumo e
com os motores apagados. A escassez de dinheiro, além de deixar o fundo à
mostra, antecipou a segunda onda, a recessão.
Quando a segunda onda começou a refluir, as pessoas
estavam saturadas de previsões sobre a economia. No noticiário, a crise havia
submergido, afogada pelo economês. Nas páginas de variedades, embalados pelas
profecias maias, pelas centúrias de Nostradamus, ou por algum profeta mais
recente, os filhos da Era de Aquarius apontavam para os céus. A besta se
aproximava e o seu nome era Nabiru, o planeta das profecias babilônicas.
2012 chegou. O campo magnético da Terra se manteve
invariável. Os planetas continuaram em suas órbitas e, se alguém pudesse ouvir
as estrelas, escutaria a harmonia perfeitas das esferas. O perigo estava aqui.
A terceira onda se propagou com a velocidade da
Internet. Era uma segunda feira cinzenta em Nova Iorque quando o mundo ficou
sabendo que a Presidente do Brasil havia feito um importante discurso na ONU.
Ms. Vilma anunciou que o Brasil estava pagando toda a sua dívida externa em
dólar. Daí em diante, o Banco Central manteria as reservas restantes em yuans e
a moeda americana não seria mais utilizada em transações comerciais.
Com a queda instantânea do dólar em todos os
mercados, houve uma corrida. Quem podia liquidou suas dívidas, a cada hora com
um dólar mais barato, que os governos compravam emitindo papéis. No fim do dia,
os Estados Unidos estavam inundados de dólares escriturais e o resto do mundo
por títulos da dívida pública e cédulas sem valor, com a tinta ainda fresca. O
estrago foi o de várias manadas de elefantes estourando no meio de uma loja de
louças chinesas. Não houve tempo para os economistas esboçarem uma teoria para
o apocalipse.
Os
historiadores que sobreviveram tampouco conseguiram justificar a decisão da
Presidente. Era um consenso, à direita e à esquerda, que o seu mandato era uma
continuação do anterior. Dona Vilma deveria se limitar a pequenas correções de
rota. Ao entregar a faixa, o seu antecessor usara uma de suas típicas
metáforas: a economia brasileira está surfando na marola da crise. No entanto, ela acabara de virar o barco com
golpe brusco no leme.
Explicar
o fim do mundo através de uma crise psicótica estava abaixo da dignidade de
qualquer historiador. Mesmo considerando que a História não existia mais e que
os últimos profissionais disputavam o lixo acumulado nas ruas com os poetas,
músicos, jornalistas, atores de teatro e antigos catadores. Se mal havia
dinheiro para pagar os lixeiros, com muito mais razão não haveria para
ocupações menos produtivas e socialmente desnecessárias.
A China
foi arrastada na correnteza e afundou ao peso de seus bilhões de títulos do
governo americano. Quando chegou à margem, a única riqueza que se salvara fora
a sua força de trabalho. 700 milhões de braços acostumados a trabalhar duro por
muito pouco. O Brasil perdeu seus bancos nas primeiras horas. Um pouco antes, o
governo fora obrigado a honrar seus títulos colocados no mercado. Em
compensação, o dinheiro escritural dos bancos ficou retido como depósito
compulsório. A guerra virtual terminou sem vencedores, sem exércitos e sem
munição.
De real mesmo, só os poucos
depósitos que puderam ser sacados. Não havia mais preços, porque os lojistas
sabiam que não haveria mais estoques para repor as mercadorias. Não havia mais
emprego, porque não haveria como pagar os salários. Depois de uma inflação de
aproximadamente 500% ao dia, acabaram as estatísticas. O escambo começou
imediatamente. A única moeda de curso universal eram os cigarros. Os
pouquíssimos fumantes que haviam estocado pacotes de cigarro ficaram
milionários da noite para o dia.
Um ônibus de sacoleiros que
voltava do Paraguai carregado de cigarros foi saqueado pela Polícia Rodoviária,
que foi emboscada em seguida pelos traficantes. A droga que eles vendiam agora
estava sendo usada para pagar novos recrutas. Os chefes rivais passaram a
disputar o saque dos supermercados. A polícia se tornou um novo bando. Ela
criou uma milícia que, ao lado do exército, tentava impor a lei marcial e o
toque de recolher. O caos durou uma semana.
A continuar. Não percam! Neste mesmo blog, qualquer dia, ou mesmo antes.
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