Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.

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Divulgação literária e outros babados fortes

Versos cretinos, crônicas escrotas e contos requentados. O resto é pura prosa.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

2012 - o início do fim IV


Onde se fala da força de coesão social fraca e de suas aplicações. O leitor aprenderá o que é um taiconauta e apreciará o processo decisório altamente elaborado de nosso presidente.

Rumo a Titã

Um mês depois de empossado no Ministério da Projeção Social, Oliveira pediu uma audiência com o Presidente Lua. O Bananal estava dando sinais preocupantes. Embora os países (o real e o fictício) estivessem respondendo bem a crise, sinais de fadiga já começavam a se mostrar.
- O País agora está mobilizado, todos estão empenhados na reconstrução, em 10 ou 20 anos poderemos atingir o nível que tínhamos antes. Mas ...
- Se nunca na história desse país conseguimos essa disposição, o que há de errado, - perguntou Lua.
- Esse é o problema, senhor Presidente. Nós somos um povo imediatista, acostumado a levar tudo na gozação, que gosta de improvisar. Nada disso está acontecendo. A nossa capacidade de esculhambação está se embotando. Todo mundo está levando a crise muito a sério. Pega mal fazer piadas pesadas sobre ela.
- E isso é ruim?
- Por incrível que pareça, é. Nós precisamos aumentar o atrito. Vou dar um exemplo: nós só conseguimos andar porque a sola do sapato agarra no solo.  Se tentarmos andar num chão muito liso, o resultado vai ser uma queda. Nas nossas simulações eu chamei esse parâmetro de força de coesão social fraca. Eu identifiquei esse fator, quando estava no Banco Central (Oliveira evitava a todo custo o verto trabalhar). Se não houvesse um sacana como eu, a repartição não funcionava. Todo mundo sabia que o trabalho que eles faziam era idiota, sem sentido. Como eu passava parte do meu tempo a gozar a incompetência dos chefes, a política do banco, a política econômica e o país em geral, acabei me tornando uma vacina, um antídoto. Quando alguém criticava algum normativo absolutamente sem sentido, outro contrapunha: - cara, você está igual ao Oliveira. Então eles resmungavam um pouco, mas seguiam as novas normas.
- Mas se a turma começar a pegar pesado, corremos o risco dessa merda se foder de vez.
- Nós testamos isso. Fizemos uma simulação num pequeno grupo, em que era apresentado um programa cômico descendo o cacete no Novo Brasil (nunca antes na história do Brasil, houve um Brasil como este). No início, pegou muito mal. Depois de alguns encontros o grupo se desagregou. Passou a ser cada um por si.
- E quais são as alternativas, - o Presidente não gostava de planejar, gostava de escolher.
- Por incrível que pareça, como a situação está totalmente alterada, termos que trazer uma variável externa para equilibrar o sistema a longo prazo.
- O que é que isso quer dizer?
- Se nos unirmos com um povo que preza a tradição, acostumado a obedecer sem questionar, que trabalhe duro, que não dê muito valor à vida, pouco individualista e sem senso de humor, nós seremos os sacanas e eles farão o trabalho pesado. Pode funcionar.
- E quem seriam esses babacas?
- Os chineses. A única coisa que sobrou na China foram os chineses. E suas instalações nucleares, sua tecnologia, essas coisinhas. Eles poderiam mandar uns 200 milhões para cá, que morreriam de fome, de qualquer maneira. Para eles vai ser um negócio da China.
- E 200 milhões de chineses resolveriam o problema?
- Durante certo tempo, sim. Logo eles vão aderir à nossa esculhambação e se tornarão cada vez mais brasileiros Acredito que isso pode funcionar por uma geração. Depois seria necessário trazer mais uns 200.
- Aí seriam 400 milhões de chineses para 200 milhões de brasileiros.
- Essa é a parte boa. Nós seremos a elite. Eles as classes trabalhadoras. Vão ser os nossos paraíbas - Oliveira nunca foi acusado de excesso de tato.
- O Presidente franziu as grossas sobrancelhas, que se uniram mais ainda, mas deixou passar. Na intimidade, ele detestava lembrar o tempo em que também era um paraíba e tinha que conjugar aquele verbo que Oliveira tanto evitava.
- Vou mandar o nosso embaixador fazer contato. O que é que esses chineses vão fazer? Como é que eles vão ser transportados? Onde é que eles vão ficar?
- Serviço é que não falta. Eles vêm de navio. A China está cheia de petroleiros parados, que foram abandonados nos portos, porque ninguém compra mais petróleo. O governo enfia os idiotas nos porões e manda para cá. Aqui a gente joga os chinas no Nordeste e na Amazônia.
- Resolvido.
- Só mais um detalhe. Nós somos um povo com um complexo de inferioridade crônico. Toda a vez que o Brasil entrou num ciclo, nos deixamos passar a oportunidade. Foi assim com o ouro, com a cana, com o café, etc. Precisamos de um símbolo, algo que nos coloque no primeiro mundo. Pensei numa missão espacial sino-brasileira. Nós entramos com a Barreira do Inferno e os astronautas, eles entram com os foguetinhos.
- Mas essa porra só vai ser notícia por um mês, depois o povo só vai querer ver novela e Big Bródi.
- Pois é. Eu penso que esta na hora desse país ter um objetivo a longo prazo. Vamos criar um reality show que acompanhará de dentro a missão, uma viagem de sete anos até Titã, um satélite de .....
- E qual vai ser a desculpa?
- A gente inventa que recebeu um sinal misterioso de lá, uma radiação que afetou a Vilma e causou toda a crise.
- E qual vai ser o idiota que vai acreditar nisso?
- O povo brasileiro.
- Resolvido. Vamos criar um Ministério da Ciência e formar um grupo de trabalho para cuidar disso. Nós até já temos um astronauta, não é?
- É. Ele pode ser o chefe da missão e treinar os outros taiconautas.
- Que merda é essa?
- Os astronautas chineses são taiconautas. Já que eles vão dar uma mãozinha, não custa chamar os astronautas assim. Vai ser uma missão espacial conjunta. A gente deixa alguns chinêses irem. Afinal eles ocupam pouco espaço.
- Resolvido. O Presidente não gostava de resolver um assunto complexo nesta rapidez. Também não gostava da presença de Oliveira e do espaço que ele estava ocupando. Infelizmente, sem o Ministério da Projeção social, o Grande Bananal não funcionava (Oliveira, em vez de chamar a sua matriz de mini-Brasil, resolvera chamar o país de Grande Bananal).

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