Onde se fala da força de coesão social fraca e de suas aplicações. O leitor aprenderá o que é um taiconauta e apreciará o processo decisório altamente elaborado de nosso presidente.
Rumo a Titã
Um mês depois de empossado no
Ministério da Projeção Social, Oliveira pediu uma audiência com o Presidente
Lua. O Bananal estava dando sinais preocupantes. Embora os países (o real e o
fictício) estivessem respondendo bem a crise, sinais de fadiga já começavam a
se mostrar.
- O País agora está mobilizado,
todos estão empenhados na reconstrução, em 10 ou 20 anos poderemos atingir o
nível que tínhamos antes. Mas ...
- Se nunca na história desse
país conseguimos essa disposição, o que há de errado, - perguntou Lua.
- Esse é o problema, senhor
Presidente. Nós somos um povo imediatista, acostumado a levar tudo na gozação,
que gosta de improvisar. Nada disso está acontecendo. A nossa capacidade de
esculhambação está se embotando. Todo mundo está levando a crise muito a sério.
Pega mal fazer piadas pesadas sobre ela.
- E isso é ruim?
- Por incrível que pareça, é.
Nós precisamos aumentar o atrito. Vou dar um exemplo: nós só conseguimos andar
porque a sola do sapato agarra no solo.
Se tentarmos andar num chão muito liso, o resultado vai ser uma queda.
Nas nossas simulações eu chamei esse parâmetro de força de coesão social fraca.
Eu identifiquei esse fator, quando estava no Banco Central (Oliveira evitava a
todo custo o verto trabalhar). Se não houvesse um sacana como eu, a repartição
não funcionava. Todo mundo sabia que o trabalho que eles faziam era idiota, sem sentido. Como eu passava parte do meu
tempo a gozar a incompetência dos chefes, a política do banco, a política
econômica e o país em geral, acabei me tornando uma vacina, um antídoto. Quando
alguém criticava algum normativo absolutamente sem sentido, outro contrapunha:
- cara, você está igual ao Oliveira. Então eles resmungavam um pouco, mas
seguiam as novas normas.
- Mas se a turma começar a
pegar pesado, corremos o risco dessa merda se foder de vez.
- Nós testamos isso. Fizemos
uma simulação num pequeno grupo, em que era apresentado um programa cômico
descendo o cacete no Novo Brasil (nunca antes na história do Brasil, houve um
Brasil como este). No início, pegou muito mal. Depois de alguns encontros o
grupo se desagregou. Passou a ser cada um por si.
- E quais são as alternativas,
- o Presidente não gostava de planejar, gostava de escolher.
- Por incrível que pareça, como
a situação está totalmente alterada, termos que trazer uma variável externa
para equilibrar o sistema a longo prazo.
- O que é que isso quer dizer?
- Se nos unirmos com um povo
que preza a tradição, acostumado a obedecer sem questionar, que trabalhe duro,
que não dê muito valor à vida, pouco individualista e sem senso de humor, nós
seremos os sacanas e eles farão o trabalho pesado. Pode funcionar.
- E quem seriam esses babacas?
- Os chineses. A única coisa
que sobrou na China foram os chineses. E suas instalações nucleares, sua
tecnologia, essas coisinhas. Eles poderiam mandar uns 200 milhões para cá, que
morreriam de fome, de qualquer maneira. Para eles vai ser um negócio da China.
- E 200 milhões de chineses
resolveriam o problema?
- Durante certo tempo, sim.
Logo eles vão aderir à nossa esculhambação e se tornarão cada vez mais
brasileiros Acredito que isso pode funcionar por uma geração. Depois seria
necessário trazer mais uns 200.
- Aí seriam 400 milhões de
chineses para 200 milhões de brasileiros.
- Essa é a parte boa. Nós
seremos a elite. Eles as classes trabalhadoras. Vão ser os nossos paraíbas -
Oliveira nunca foi acusado de excesso de tato.
- O Presidente franziu as
grossas sobrancelhas, que se uniram mais ainda, mas deixou passar. Na
intimidade, ele detestava lembrar o tempo em que também era um paraíba e tinha
que conjugar aquele verbo que Oliveira tanto evitava.
- Vou mandar o nosso embaixador
fazer contato. O que é que esses chineses vão fazer? Como é que eles vão ser
transportados? Onde é que eles vão ficar?
- Serviço é que não falta. Eles
vêm de navio. A China está cheia de petroleiros parados, que foram abandonados
nos portos, porque ninguém compra mais petróleo. O governo enfia os idiotas nos
porões e manda para cá. Aqui a gente joga os chinas no Nordeste e na Amazônia.
- Resolvido.
- Só mais um detalhe. Nós somos
um povo com um complexo de inferioridade crônico. Toda a vez que o Brasil
entrou num ciclo, nos deixamos passar a oportunidade. Foi assim com o ouro, com
a cana, com o café, etc. Precisamos de um símbolo, algo que nos coloque no
primeiro mundo. Pensei numa missão espacial sino-brasileira. Nós entramos com a
Barreira do Inferno e os astronautas, eles entram com os foguetinhos.
- Mas essa porra só vai ser
notícia por um mês, depois o povo só vai querer ver novela e Big Bródi.
- Pois é. Eu penso que esta na
hora desse país ter um objetivo a longo prazo. Vamos criar um reality show que
acompanhará de dentro a missão, uma viagem de sete anos até Titã, um satélite
de .....
- E qual vai ser a desculpa?
- A gente inventa que recebeu
um sinal misterioso de lá, uma radiação que afetou a Vilma e causou toda a
crise.
- E qual vai ser o idiota que
vai acreditar nisso?
- O povo brasileiro.
- Resolvido. Vamos criar um
Ministério da Ciência e formar um grupo de trabalho para cuidar disso. Nós até
já temos um astronauta, não é?
- É. Ele pode ser o chefe da
missão e treinar os outros taiconautas.
- Que merda é essa?
- Os astronautas chineses são
taiconautas. Já que eles vão dar uma mãozinha, não custa chamar os astronautas
assim. Vai ser uma missão espacial conjunta. A gente deixa alguns chinêses
irem. Afinal eles ocupam pouco espaço.
- Resolvido. O Presidente não
gostava de resolver um assunto complexo nesta rapidez. Também não gostava da
presença de Oliveira e do espaço que ele estava ocupando. Infelizmente, sem o
Ministério da Projeção social, o Grande Bananal não funcionava (Oliveira, em
vez de chamar a sua matriz de mini-Brasil, resolvera chamar o país de Grande
Bananal).
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