A minha guerra
era travada no alpendre da casa da minha avó. As bisnagas de colírio eram as B
52; as formigas cortadeiras eram as outras formiguinhas humanas, os
vietnamitas. Como eu já revelei, um metro abaixo do parapeito, havia um ressalto
que contornava toda a casa. Ele era usado como trilha para abastecer o
formigueiro. O bombardeio de água não era letal. No máximo eu conseguia acertar
em cheio uma formiga, com uma gota de água, arremessando-a uns dois metros
abaixo, no chão do jardim. As bisnagas podiam dar rajadas (jatos contínuos) ou
tiros (gotas). Eu preferia os tiros, a água durava mais e não eram tão
impessoais. Às vezes eu perseguia uma formiguinha mais rápida, com tiros que
iam deixando sua marca na trilha caiada. Ela se sacrificava para permitir que
suas irmãs atravessassem com sua carga preciosa. Outras vezes, era mais
científico: fazia uma barreira de fogo que detinha a coluna. O bombardeio
durava horas. Ás vezes, um curioso parava no passeio, para ver aquele
adolescente, de óculos fundo de garrafa, brincando como uma criança.
É engraçado
como cultivamos alguns medos e aversões. Toda minha adolescência foi povoada de
fantasias de duelos e de brigas, no melhor estilo dos filmes B. Uma coisa eu
detestava nesses filmes: aquelas cenas de batalha em que a infantaria avançava
com o passo cadenciado pelos tambores, passando por cima dos soldados que iam caindo,
derrubados pela artilharia do inimigo. Se alguém tem um fuzil na mão, por que
não atirar? O que tem na cabeça de um sujeito que vai para a batalha tocar
tambor ou carregar o estandarte do regimento?
Nas poucas
passeatas em que participei, ficava sempre na retaguarda, pronto a sair
correndo. Não era só uma questão de medo. Uma vez participei de uma panfletagem
no Mineirão. O Mineirão foi inaugurado quando eu estava no segundo científico,
com um gol de Bugleaux. A panfletagem deve ter sido no segundo ou no terceiro
científico. Lembro que o Xexéu (também conhecido como Ferrugem) participou de
alguma maneira. Os panfletos eram guardados dentro da meia; uma folha de meio
papel ofício, mimeografada. Não lembro qual era o jogo. Ações assim, individuais,
em que eu “controlava” os acontecimentos eram excitantes. Mais tarde eu faria
com prazer pichações e panfletagens noturnas.
Era difícil
definir como eu encarava aqueles estudantes que iam à frente das passeatas; com
as faixas, muitas vezes de braços dados, formando uma corrente. Na maioria das
vezes eram os primeiros a apanhar de cassetete e não tinham muito para onde
correr. Primeiras manifestações de individualismo? Eu me dispunha a levar o meu
fardo na trilha, junto a outras tantas formiguinhas, mas nada de ir na frente.
O que eu fazia
com 17 anos na casa da minha avó? Acompanhava minha mãe, que mais uma vez havia
brigado com o meu padrasto. Nas horas vagas, comia a garota retardada do vizinho
e estudava para o vestibular de engenharia. Consegui sucesso nas duas empresas:
passei e engravidei a garota. Perdi a guerra contra as formigas. Os americanos
também perderam a sua.
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