Fidel, em suas recentes reflexões,
recorda o conselho que Deng Xiao Ping
deu aos americanos em 79: “porque vocês não castigam Cuba, como nós fizemos com
os vietnamitas?”. Sua memória passada é melhor que a da maioria da esquerda,
que não ouviu, ou não quer ouvir falar, da expedição punitiva que os chineses lançaram
contra o Vietnã.
Recorda Honecker, outra lembrança
traumática. O dirigente alemão, que caiu junto com o Muro e foi varrido da
história, quando a população da antiga RDA votou pela unificação com a outra
Alemanha. Refugiado na antiga União Soviética, foi entregue por Yeltsin, submetido
a julgamento e, como medida de clemência, foi-lhe permitido passar seus últimos
dias no Chile, onde morreu em 1994.
A lamentar que, nos últimos dias,
a mente do Comandante ande lhe pregando peças. Em reflexão sobre a Moringa
Oleífera e a amoreira, ele recomenda a plantação destas duas espécies vegetais,
fontes massivas de carne, leite e ovos (sic).
Ao contrário de Fidel, o governo
cubano trata de obliterar o passado distante, trocando memórias incômodas por
ações pontuais no presente. Em seu périplo pelos Estados Unidos, Mariela
Castro, filha de Raúl, além de manifestar seu apoio à candidatura Obama,
reafirmou, em um encontro sobre o tema, os avanços de seu país no campo dos
direitos dos homossexuais.
A exemplo de outros países, Cuba
tem um passivo muito grande nesta questão. Logo após a Revolução triunfar, os
três Pês - prostitutas, pederastas e proxenetas - foram presos em massa,
enfiados em uniformes com um grande P nas costas e enviados para as UMAP
(Unidades Militares de Apoio à Produção), semelhantes a campos de concentração.
“Em 1971, ocorre o Congreso
Nacional de Educación y Cultura em Havana, onde se propõem medidas reeducativas
para os que apresentam “síntomas aparentes” de desvio moral e
contra-revolucionário. Sendo assim, o trabalho nas UMAP ... serviria como
método terapêutico. A partir deste evento, toda a população é conclamada a se converter
em vigilante da revolução. Havia três classificações para os subversivos:
hippies, homossexuais e “conducta impropia” (classificação indefinida onde tudo
cabia).”
“Heberto Padilla fala sobre a
viagem à Bulgária de Raúl Castro, um dos que mais se incomodavam com a questão
dos gays na ilha. Segundo ele, o irmão de Fidel retorna ao país com a idéia de
criar campos de concentração para varrer os homossexuais das ruas. Além disso,
um cientista tcheco trouxe para Cuba técnicas pavlovianas de “educación
erótica” dos gays e lésbicas, entretanto o que acontecia era que “los pájaros”
dissimulavam com facilidade o abandono do desejo homossexual e continuavam suas
aventuras eróticas com os guardas. Padilla destaca, com isso, a capacidade dos homossexuais
cubanos de “salir del dolor”. Guillermo Cabrera Infante diz ter se revoltado
com a prisão de Virgilio Piñera na praia de Guanabo, pois “se lo detuvo
simplemente por la manera como se manifestaba públicamente, es decir, por lucir
o aparecer afeminado”. Piñera havia sido denunciado pelo chefe do comité de defensa do seu bairro, pois este
homem queria ficar com sua casa.”
E aqui
voltamos a 2012, ano do centenário de Piñera. Segundo o Cuba Debate de 19 de
junho: “La figura del
dramaturgo mayor de Cuba,Virgilio Piñera,
será protagonista del Coloquio Internacional Piñera tal cual , inaugurado hoy en
La Habana, a propósito del centenario del natalicio del literato y poeta.”
A Ecured é a versão computadorizada da antiga Grande
Enciclopédia Soviética, que trazia o quem é quem oficial. Nelas se lê: “A partir de 1971, como
parte de errores en la política cultural de la Revolución que se apartaron de
los principios definidos por Fidel en sus "Palabras a los
intelectuales", Piñera dejó de ser publicado en Cuba, esta política fue
gradualmente rectificada luego de creado el Ministerio de Cultura en 1976. Hoy
es ampliamente reconocido y su obra difundida y estudiada.”
“Cabrera Infante enfatiza o machismo espanhol arraigado em
Fidel: “Fidel Castro no hace nada que no sea para mostrar cuán macho, cuán
superhombre, supermacho es él”. Armando
Valladares conta a história de Robertico, um menino de apenas 12 anos que foi
preso pelo governo. Depois de ser estuprado na cadeia, Robertico começa a ser
barbaramente agredido por chorar e chamar constantemente por sua mãe. Para
Cabrera Infante, os homossexuais cubanos eram dissidentes em relação à norma
burguesa de vida em casal, dentro de um matrimônio heterossexual, adotada sem
qualquer tipo de questionamento pelos líderes da Revolução Cubana. Fidel diz
que chegou a ter mais de 15.000 presos “contrarrevolucionarios”, que para ele
eram julgados “dignamente”. Ana María Simo diz que, mesmo presa, seguia sendo revolucionária,
porque pensava que ela sim lutava, de fato, por uma revolução radical, ao
contrário “de los ignorantes pequeños burgueses como Castro”. Simo, que chegou
a ser internada em um hospital psiquiátrico por desvio moral, denuncia o modo
como as mulheres eram tratadas na prisão: em uma cela estreita, sem vaso
sanitário, eram colocadas 40 detentas. Ela conta ainda que ficou assustada ao
perceber que um poeta do porte de Nicolás Guillén era considerado como “un
delicuente cualquiera por los jefes de la cárcel”. René Ariza – um artista de rua exilado nos EUA – diz que ser “estranho” é motivo para ser
cruelmente reprimido em Cuba: “no es una actitud sólo de Castro. Hay muchos Castros.
Y hay que vigilar el Castro que tenemos adentro”.
É justamente para este Castro que temos dentro de nós que escrevo.
Transformar toda uma política de estado de repressão aos homossexuais em “erros
de uma política cultural que se afastaram das orientações de Fidel” é o mesmo
que justificar novamente esse passado. Não se pode se pode reescrever a
história de uma Revolução usando a memória seletiva, ou, pior ainda, plantando
memórias.
As citações são do artigo “Piquetes e charutos: sobre críticas
de Perlongher e Sarduy à repressão homossexual” de Antonio Andrade e podem ser
encontradas em:
As reflexões de Fidel se acham no site Cuba Debate: