Ode ao poder
Que o poder é luz que atrai toda sorte de mariposas, até eles sabem.
Que o poder é a força do forte contra o fraco, até eles entendem.
Ouço suas vozes acusando. Às vezes, eu mesmo me pego perguntando: se não precisava pagar para usá-las, por que o fiz? Se o fiz, para que negar o que para eles é natural. E se o neguei, para que perseguir quem me acusava, sendo eu quem sou e ele sendo quem era?
Ouço suas risadas zombando. Como explicar-lhes que nós não somos o poder, somos seus guardiões. Em última instância, servimos a ele e não a eles. Já fui jovem. Jovem tolo e inconseqüente. Cheguei até aqui deixando gente assim pelo caminho.
Para o bem deles e o nosso, obrigo-me a mentir. Queria ser sincero: fiz o que fiz, porque podia. Esse é o meu quinhão. Este é o poder que me foi concedido, para o bem e para o mal. Eles não entenderiam.
Vejo seus dedos me apontando. Dizem que usei o poder para me enriquecer. Eles enriqueceram. Luz para todos, casa para todos, escolas, até universidades, sem falar no respeito às diversidades. Nunca antes na história desse país de merda, tantos ganharam, nem que fosse um pouco. Afinal, o que eles querem, os outros?
Nem eles sabem.
Já fui jovem. Queria servi-los. Já fui tolo. Não os conhecia. Já fui inconseqüente. Agora que os vejo daqui de cima, agora que os odeio, agora que eles me odeiam, a liturgia do posto me obriga a seguir repetindo tolices: todo poder é deles, e é em nome deles, o povo, que será exercido.
Marco Lisboa
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