Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.

Consulte o dicionário do cinismo, no rodapé do blog.

Divulgação literária e outros babados fortes

Versos cretinos, crônicas escrotas e contos requentados. O resto é pura prosa.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Relembrando Luiz Lyrio

Da esquerda para a direita: Maria Helena Lyrio, irmã do homenageado, eu e Clevane Pessoa. Os lírios foram trazidos por Clevane. Era como se, de certa maneira, o Lyrio estivesse ali.


O texto abaixo foi publicado logo após a morte do Luiz.

Fomos contemporâneos de Colégio Estadual. Ele no Clássico, eu no Científico. Isso foi no tempo em que o vestibular era feito por escola: para entrar na Escola de Engenharia, se fazia o vestibular de engenharia. As matérias eram Matemática, Física, Química e Desenho Geométrico. Quem preferia História, prestava vestibular para o Curso de História, da Faculdade de Filosofia, na Rua Carangola. Não sei quais eram as matérias cobradas.
Luiz optou pelas Ciências Humanas e eu, pelas desumanas. O sistema era muito complicado e foi substituído pelo atual vestibular.
O Colégio Estadual era famoso pela sua participação no movimento estudantil secundarista. E por sua efervescência cultural. Henfil foi meu contemporâneo. Os irmãos Amilcar e Roberto Martins também. Luiz participava ativamente do movimento estudantil. Eu tinha uma participação mais discreta. Empregava a maior parte das manhãs, jogando xadrez no salão do barbeiro Renard, e das tardes, jogando no Clube de Xadrez de Belo Horizonte, na Rua Carijós.
Isso foi em 1966, 67. Veio 68, o ano que já acabou, e perdi contato com o Luiz. A sua trajetória, assim como a de muitos amigos, foi narrada no seu livro “Nos idos de 68”. Ficamos quase quarenta anos, separados pelo tempo e pelo espaço. Foi justamente esse livro que acabou nos reaproximando.
Nesse meio tempo, Luiz seguiu lutando em duas frentes: como professor de História e como escritor. Escreveu um livrinho sobre a organização dos Grêmios Escolares, que deve ter ajudado muito o movimento secundarista a se reorganizar.
As reviravoltas da vida, que dispersaram aquela geração, foram nos endurecendo. Luiz continuou extremamente suscetível. Um comentário inocente, uma brincadeira de mau gosto, a mínima hostilidade, o abatia. Tinha aversão à burocracia. Quase todo ano, nos últimos dias de prazo, eu o ajudava com a sua declaração de imposto de renda. Com dois salários de professor, não haveria renda a tributar, se o nosso sistema fosse mais justo. Mesmo assim, não escapava da dentada do Leão.
Luiz tinha um olhar diferente, que o tornava um grande cronista. Seus contos nutriam-se da própria vida. Seus casamentos, seus amores, seus desenganos. Alguns eram simplesmente catárticos. Outros, quando ele conseguia se sobrepor ao sofrimento, eram deliciosos. Lembravam um pouco Gógol, de O capote e principalmente de O nariz.
Há um, meu preferido, A meio pau, que narra as desventuras de um órgão que escapa de seu dono. Ele jura que nunca leu O nariz. Eu acredito. A mesma sensibilidade fez com que Machado de Assis escrevesse “O Alienista” e Tchekhov “A enfermaria número 9”.
A elaboração de “Nos idos de 68” foi trabalhosa. Exigiu muita pesquisa histórica, muita leitura de periódicos da época. Luiz brincava dizendo que não tivera a sorte de ter sido torturado. Reclamava da imprensa e da televisão, que só queriam entrevistar os medalhões que haviam sido presos, torturados e até exilados. Sentia-se excluído. “Nos idos de 68” conta a história do ponto de vista da massa que participava dos movimentos estudantis. Esse é um dos grandes méritos do livro.
            É pena que essa suscetibilidade o tornasse inseguro. Luiz queria ser lido, preocupava-se bastante com a reação do leitor. Há um público que espera que todo conto seja uma espécie de fábula moral, com personagens bonzinhos, retratando fielmente a realidade. E com um final edificante. Esse não pode ser nosso referencial.
Ele sofreu um choque, quando a publicação de “Nos idos de 68” acabou coincidindo com a morte trágica de um amigo em comum, que também participava do movimento estudantil. Sentiu-se culpado, talvez porque esse amigo não fosse retratado sob uma luz muito favorável. Entrou em depressão e foi internado no Hospital do Ipsemg.
Foi justamente aí, que a vida nos reaproximou. Eu estava na Receita Federal, do outro lado do Parque Municipal e acabara de conhecer uma grande amiga, Clevane Pessoa. Pesquisando sobre 68, para um romance que vivo escrevendo, soube do livro de Luiz. Clevane, que também era sua amiga, contou-me onde ele estava. Fui visitá-lo e passamos a nos ver com freqüência.
Foi o período da Revista Estalo, que promoveu concursos e lançou inúmeros poetas e escritores. Pela primeira vez, fui publicado em papel. A proposta era um tanto quixotesca e a revista acabou fechando, como tantas outras. Luiz lançou mais alguns livros, pagos pelo próprio bolso: “Marcas de Baton”, “Abdução”, a nova edição de “Nos idos de 68” e “Vida depois da morte”.
Eu era um pouco o seu Sancho Pança, ainda que ele não tivesse o físico do Cavalheiro da Triste Figura. Luiz não compreendia por que eu não me interessava em ser publicado, já que tinha dinheiro para bancar uma edição. Dizia que eu tinha obrigação de mostrar ao mundo a minha produção. Ser lido era um dever do escritor. Eu argumentava com o esquema cada vez mais mercantilista da literatura, com o número crescente de analfabetos funcionais, com a concorrência desleal das outras mídias. Dizia para ele: Luiz, meu amigo, seja menos Lyrico e mais Paulada. Não adiantava, ele seguia inconformado com o estado de nossas letras.
Mudou-se para Aracaju, em busca de ares mais amenos. Continuamos a nos falar pela Internet. Volta e meia, eu entrava no seu blog para deixar um comentário provocador. Nos últimos tempos, ele voltara a publicar um tablóide, Estalo, participava ativamente de vários movimentos culturais e parecia mais feliz. Infelizmente a saúde não ia bem. Havia sofrido três AVC e estava diabético. Fora fumante por muito tempo. Como a vida não é uma história com final feliz, morreu de câncer linfático, que não tem relação alguma com o fumo ou com a obesidade.
Antes de ele morrer, nos reencontramos no mesmo Ipsemg, numa quarta-feira. No domingo anterior, estava em Sete Lagoas, passando raiva com o meu Galo, quando o celular tocou. Era o filho André, contando que ele estava internado em estado grave. Na saída do jogo, falei com o próprio Luiz. A ligação estava toda cortada.
Minha mãe estava internada no Semper, pertinho do Ipsemg, com pneumonia. Na segunda, não tive tempo de visitá-lo. Na terça, cheguei quando o horário de visita havia terminado. Na quarta, conversamos um bom tempo. Foi a última vez que o vi. Achei que ele estava bem. Prometi que o veria sempre, embora, talvez, não pudesse ir todos os dias. Não pude voltar na quinta e nem na sexta. No fim de semana, seu filho me contou que ele estava no Otaviano Neves. Recebi a notícia de sua morte na segunda.
Luiz Paulo foi um batalhador abnegado. Lutou toda sua vida em defesa da cultura e da educação. Pagou com sua saúde e uma situação financeira precária. Não teve o sucesso que merecia, mas foi querido pelos que o conheceram de perto.
Se houver um outro lado, é justo que ele tenha um destino melhor. Imagino um céu dos escritores, onde não haja imposto de renda e nem Serasa. Onde as edições sejam em capa dura e papel couché e não custem um centavo. Onde não passe o BBB na televisão, só programas culturais. Onde seja proibida a entrada dos pitbulls de duas e de quatro patas. Onde os tablóide não falem de futebol e nem de crimes, só de lançamentos e resenhas de livros. Uma ou outra foto de uma beldade seminua, porque ninguém é de ferro. Onde o escritor tenha sempre um photoshop amigo. E as gostosas também. Onde o Luiz possa pitar seu cigarro, comer um tropeiro com bastante torresmo, precedido de uma pinga de Salinas, sem temer enfisema, colesterol, diabetes e balança. E numa roda de amigos, comentar com o Maurício, dando uma risada gostosa: esse Marco só escreve bobagem. Essa história de céu é um plágio barato do Brancalleone.
Sossega e aproveita, Luiz.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Abaixo assinado

O Grupo Documento Ditadura, do qual faço parte, lançou este abaixo assinado, que repasso aqui.
Este é o link/

domingo, 12 de junho de 2011

Kadafi é um capivara!

O tabuleiro é de brinquedo, não há relógio e colocaram um peão branco ao lado do tabuleiro para simular que Kadafi efetuou um gambito. Todas as suas peças estão na primeira linha, ao contrário de seu oponente, que parece estar em vantagem no desenvolvimento. A posição foi montada. Tudo isso para passar a imagem de um grande estrategista, que está absolutamente tranquilo quanto ao desfecho dos acontecimentos. Para quem joga xadrez, ficou claro que Kadafi é, na melhor das hipóteses, um  grande capivara, gíria enxadrística que significa pixote, cabeça-de-bagre, principiante. Se no campo de batalha sua estratégia for a mesma que usa no tabuleireiro, vai levar mate em poucas semanas.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Cara de Palhaço

Palhaçada
Miltinho
Composição : Haroldo Barbosa/Luiz Reis
Cara de palhaço
Pinta de palhaço
Roupa de palhaço
Foi este o meu amargo fim;

[Esta é a parte que o ex-ministro canta no seu discurso de despedida]

Cara de gaiato,
Pinta de gaiato,
Roupa de gaiato,
Foi o que eu arranjei pra mim.

[A roupa de gaiato pode ser interpretada como uma alusão àquele uniforme de listas verticais. Dá um novo significado à expressão entrei de gaiato]

Estavas roxa por um trouxa
Pra fazer cartaz,
Na tua lista de golpista
Tem um bobo a mais

[Esta é a parte em que ele se dirige à imprensa gol[pista]

Quando a chanchada deu em nada
Eu até gostei
E a fantasia foi aquela que esperei.
Cara de palhaço
Pinta de palhaço
Roupa de palhaço
Pela mulher que não me quer,

[Quem seria a mulher que não o quer mais?]

Mas se ela quiser voltar pra mim
Vai ser assim,
Cara de palhaço,
Pinta de palhaço
Roupa de palhaço
Até o fim!!!

[Um dia ele volta, eles sempre voltam]

Miltinho que me perdoe, Haroldo Barbosa e Luiz Reis também, mas foi por uma boa causa.

sábado, 4 de junho de 2011

Qualquer semelhança é mera coincidência

Ode ao poder

Que o poder é luz que atrai toda sorte de mariposas, até eles sabem.
Que o poder é a força do forte contra o fraco, até eles entendem.
Ouço suas vozes acusando. Às vezes, eu mesmo me pego perguntando: se não precisava pagar para usá-las, por que o fiz? Se o fiz, para que negar o que para eles é natural. E se o neguei, para que perseguir quem me acusava, sendo eu quem sou e ele sendo quem era?
Ouço suas risadas zombando. Como explicar-lhes que nós não somos o poder, somos seus guardiões. Em última instância, servimos a ele e não a eles. Já fui jovem. Jovem tolo e inconseqüente. Cheguei até aqui deixando gente assim pelo caminho.
Para o bem deles e o nosso, obrigo-me a mentir. Queria ser sincero: fiz o que fiz, porque podia. Esse é o meu quinhão. Este é o poder que me foi concedido, para o bem e para o mal. Eles não entenderiam.
Vejo seus dedos me apontando. Dizem que usei o poder para me enriquecer. Eles enriqueceram. Luz para todos, casa para todos, escolas, até universidades, sem falar no respeito às diversidades. Nunca antes na história desse país de merda, tantos ganharam, nem que fosse um pouco. Afinal, o que eles querem, os outros?
Nem eles sabem.
Já fui jovem. Queria servi-los. Já fui tolo. Não os conhecia. Já fui inconseqüente. Agora que os vejo daqui de cima, agora que os odeio, agora que eles me odeiam, a liturgia do posto me obriga a seguir repetindo tolices: todo poder é deles, e é em nome deles, o povo, que será exercido.
Marco Lisboa

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Augusto dos Anjos revisitado

Augusto dos Anjos revisitado

Quisera ser um poeta caudaloso
Um tsunami de epigramas
Saí um poeta verborrágico
Espiroqueta, num mar de hemogramas

Poeta pálido, semblante bilioso
Gotejando verbos sifilíticos
Em tom de profundo baixo cavernoso
Sibilando estrofes catastróficas

Bofes carcomidos pela tísica
Carnes consumidas pela hética
Consolado pela metafísica
Afogado em sordidez patética

Garroteando a veia poética
Fazendo um profundo  enema
Do fundo da fossa séptica
Eis que emerge um poema

De verso puro, de rima escorreita
Ou verme escuro, da sentina putrefata
Delírio de febre terçã, da brava maleita
Ou apoteose da lógica mais exata?