Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.

Consulte o dicionário do cinismo, no rodapé do blog.

Divulgação literária e outros babados fortes

Versos cretinos, crônicas escrotas e contos requentados. O resto é pura prosa.

domingo, 13 de junho de 2010

Entrevista de Dilma para a Veja

Assim que esquentou a campanha presidencial, foram divulgadas fotos da ficha policial de Dilma. Simultaneamente, surgiram  acusações de que ela teria participado diretamente em ações armadas que resultaram em mortes. Alguns amigos meus tomaram as dores da candidata e quiseram abafar esse debate. 
Nessa entrevista, a candidata dá as devidas explicações e mostra que não precisa de "segurança" para fazer campanha. Os trechos em negrito foram grifados por mim. Ressalte-se que a entrevista foi feita via e-mail, sem direito a réplica, e que a Veja atinge prioritariamente as classes A e B. Não sei se seria esse o discurso da candidata em frente às câmeras de televisão.
Seguem os trechos da entrevista em que ela fala sobre a luta armada. A entrevista saiu no último número da revista.  



...
De tanto cumprir cadeia política durante a ditadura Vargas, o grande escritor Graciliano Ramos, um tipo depressivo, saiu-se com essa: “É-me indiferente estar preso ou solto”. A senhora chegou a ter um sentimento parecido?

Não. Nos cárceres da ditadura militar, sempre ansiei pela liberdade. Mas entendo bem a que o Graciliano se refere. Existe a figura do preso velho, conhecedor dos caminhos dentro da cadeia. Isso dá uma certa sensação de controle que, ao final da minha pena de três anos, tornava a prisão menos insuportável. Eu tinha um esconderijo de livros e, com a ajuda do dentista da penitenciária, trocava bilhetes com meu marido, preso na ala masculina. Contávamos com algumas boas almas entre os carcereiros, e o capelão militar deu-me uma Bíblia, que, para passar pela fresta da porta da cela, teve sua capa arrancada. Um sargento detonou, sem querer, uma bomba de gás lacrimogêneo perto das celas e abriram um inquérito para apurar responsabilidades. Nós, as presas, sabíamos quem era o culpado, mas decidimos não identificá-lo. Com isso caímos nas graças dos sargentos. Enfim, o preso velho começa a acomodar seus ossos naquele ambiente.

Em situações extremas as pessoas costumam ter reações inesperadas. Quem era forte revela-se um fraco. O frágil se transforma em valente. A senhora se viu na cadeia, sob tortura, tendo reações surpreendentes?

É um pouco mais complexo do que você imagina. Depende muito do seu momento. A mesma pessoa pode estar forte um dia e em outro desabar – ou estar entregue e, de repente, encontrar forças descomunais que não sabia possuir. É o momento que manda, e você não manda no seu momento.

A sua opção pela luta armada na juventude vai ser um assunto da campanha eleitoral. As pessoas querem saber se a senhora deu tiros, explodiu bombas ou sequestrou.

Estou pronta para esse debate. Pertenci a organizações políticas que praticaram esses atos. Mas eu jamais me envolvi pessoalmente em alguma ação violenta. Minha função era de retaguarda. Os processos militares que resultaram em minha condenação mostram isso com clareza. Nunca fui processada por ações armadas. Tenho muito orgulho de ter combatido a ditadura do primeiro ao último dia. A ditadura foi muito ruim. Cassaram os partidos políticos, fecharam órgãos de imprensa, criaram mecanismos de censura, torturaram… Mas o pior de tudo é que tiraram a esperança da minha geração. Quem tinha 15 ou 16 anos de idade quando foi dado o golpe de 64 não enxergava o fim do túnel. De um jovem cheio de energia e sem esperança podem-se esperar reações radicais.

É fácil falar vendo o filme de trás para a frente, mas hoje parece indiscutível que o pessoal da luta armada não queria a volta da democracia, mas apenas trocar uma ditadura de direita por outra de esquerda. A senhora tinha consciência disso?

Olha aqui, no meio da luta essas coisas nunca ficavam claras. O objetivo prioritário era nos livrar da ditadura, e lutamos embalados por um sentimento de justiça, de querer melhorar a vida dos brasileiros. Foi um período histórico marcante em todo o mundo. Os jovens franceses estavam nas barricadas de maio de 68. Jovens americanos morriam baleados pela polícia nos câmpus universitários em protesto contra a Guerra do Vietnã, a mais impopular das guerras dos Estados Unidos, um conflito que aos nossos olhos tinha uma potência tecnomilitar agressora sendo derrotada por um país pequenino, mas valente. Nossa simpatia com o lado mais fraco era óbvia. Depois daquela fase eu continuei lutando pela democracia no antigo MDB e no PDT. Nesse processo, eu mudei com o Brasil, mas jamais mudei de lado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário