Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.

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Divulgação literária e outros babados fortes

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quarta-feira, 9 de junho de 2010

Capítulo 8

Capítulo 8 – A região na época da Guerrilha
Na bibliografia consultada, há uma grande discrepância sobre a localização dos destacamentos, dos PA e dos locais onde ocorreram os choques. Tendo como base o Relatório Arroyo, o livro Operação Araguaia e o mapa militar reproduzido em A lei da Selva, conseguimos localizar os principais pontos e elaborar um mapa mais detalhado, que foi anexado como encarte. No momento, pretendemos apresentar em linhas gerais a região.

A área hachurada representa aproximadamente a região onde a guerrilha atuou

O Rio Araguaia corre em direção ao Tocantins, passando por Xambioá, Araguatins e, finalmente, encontrando suas águas em São João do Araguaia. Daí para frente, com o nome de Rio Tocantins passa por Marabá e continua até o mar, contornando a Ilha de Marajó. Pelo formato dos cursos do Araguaia e do Tocantins, a região onde se encontram é chamada de Bico de Papagaio. É uma tríplice fronteira entre os estados de Pará, Maranhão e Tocantins (Goiás, na época da guerrilha).
O Araguaia é o limite natural da guerrilha, que se desenrolou dentro do arco que ele forma, entre Marabá e Xambioá, sem sair do estado do Pará. O rio chega a 1 km de largura, em frente a Xambioá, e, devido às corredeiras, não é navegável daí até Santa Isabel do Araguaia. Nos outros trechos, ele pode ser percorrido por barcos. Em São Geraldo e Araguatins, a travessia era feita por balsas.
Os municípios, vilas e povoados maiores ficam às suas margens. À medida que se penetra no interior, a população vai raleando e alguns lugarejos se reduzem a umas poucas casas. Vários afluentes do Araguaia, rios e igarapés, facilitam a penetração. As grandes distâncias eram percorridas através de trilhas e picadas, em lombo de burros.
A região, praticamente plana, fica a 200 metros acima do nível do mar. O único acidente de importância é a Serra das Andorinhas, que alcança 600 m. de altitude. Na serra, totalmente coberta pela mata, exceto nos pontos mais altos, existem inúmeras grotas.
Mais ao fundo passa a rodovia PA-70, que nunca foi ultrapassada pela guerrilha. Segundo palavras do próprio Arroyo, em seu Relatório:
“A área de atuação dos destacamentos ia desde São Domingos das Latas até o Rio Caiano (pouco mais de 20 km de São Geraldo). Em extensão, essa área tinha cerca de 130 km de comprimento por uns 50 km de fundo. Um total de cerca de 6.500 km². A população da área onde atuavam os destacamentos era de mais ou menos 20 mil almas, sem incluir as zonas próximas, como Marabá (18.000 habitantes), Araguatins (5.000 habitantes). (No norte de Goiás e Oeste do Maranhão, durante uns três anos, realizou-se também amplo trabalho de ligação com as massas). Os produtos principais da área são: castanha-do-pará, babaçu, arroz, mandioca e milho. Quase toda a região é de mata e há muita caça.”
Nas primeiras campanhas, o exército fez vários prisioneiros, que foram levados para Brasília. Constatado o tamanho das forças que enfrentava e a duração que o conflito poderia alcançar, surgiu uma questão incômoda. O que fazer com esses presos? Muitos já haviam sido localizados pelas famílias e eram lideranças de massa conhecidas. Seria complicado forjar várias “fugas”, “atropelamentos” ou “suicídios”. A melhor solução era processá-los e condená-los. Mas como evitar que os processos se transformassem numa tribuna de propaganda da guerrilha?
A saída encontrada foi citá-los em vários artigos da Lei de Segurança Nacional, sem, contudo, acusá-los de serem guerrilheiros. Criou-se uma situação surrealista. Genoino, por exemplo, anexou uma carta-defesa ao Conselho de Justiça Militar em que procurava provar que havia participado de uma guerrilha. É dessa carta, escrita em fevereiro de 1975, que extraímos vários trechos que bem caracterizam a área da guerrilha:
“Nesta vasta e rica região, o homem morre de malária e de doença venérea, leishmaniose, verminose de todos os tipos, reumatismo e infecções respiratórias. Isso sem falar no grande número de pessoas que morrem de picadas de cobras venenosas, animal tão familiar aos moradores das regiões da selva.
... É grande a mortalidade infantil e as crianças que sobrevivem crescem raquíticas ou deformadas pela doença e pela miséria. É comum as mulheres morrerem durante o período de gestação ou durante o parto...
... A prostituição é generalizada nos povoados e cidades da Amazônia... O analfabetismo domina a maior parte dos moradores... Não existem escolas e as raras que ainda têm vida se localizam em alguns povoados da margem do Araguaia.
... Os moradores vivem abandonados e suas lavouras ficam entregues inteiramente às condições da natureza...
... Os únicos instrumentos com que contam para o trabalho são o machado, o facão e uma espingarda para caçar. Não recebem nenhuma ajuda ou qualquer assistência e quando aparecem os representantes do poder público é só para cobrarem impostos e fazê-los passar vexames. Os camponeses não têm meios para escoar os seus produtos, o que os obriga a vendê-los por preços irrisórios. Quando acumulam um excedente de arroz, feijão ou farinha ou quebram o coco de babaçu além de suas mínimas necessidades e procuram vender tais produtos, encontram preços muito baixos. Na maioria das vezes trocam-nos por café, açúcar, munição, botinas, alguma peça de roupa e remédios, que geralmente ostentam o rótulo Amostra grátis.
... Predomina o trabalho semi-escravo. Os grandes latifundiários usam o barracão como forma de pagamento e o trabalhador desconhece qualquer lei trabalhista...
... A castanha-do-pará, recurso natural da região que devia servir para melhorar a situação do povo, está controlada por grandes grupos econômicos, especialmente estrangeiros, que roubam do castanheiro no pagamento do seu ordenado, na medição dos seus produtos e na soma de suas despesas. O castanheiro – homem que junta, corta e lava a castanha – vai para a mata na pior época do ano, a das chuvas, recebe no barracão do castanhal um adiantamento de farinha, sal, fumo e munição.
Depois de permanecer quatro ou cinco meses na mata, tempo necessário para concluir a colheita da castanha, tem estipulado o preço do hectolitro da castanha (5 latas de 20 litros) em apenas Cr$ 10,00 ou Cr$ 12,00 e recebe seu saldo, quando existe, em gêneros alimentícios. O hectolitro da castanha, em 1972, custava em Marabá ou Belém Cr$ 60,00 ou Cr$ 70,00, o que já é um bom preço para as companhias exportadoras.
... Na extração da madeira, a exploração é semelhante à da colheita da castanha. As companhias madeireiras costumam despedir os trabalhadores sem pagar nem mesmo em gêneros alimentícios os seus já minguados CR$ 5,00 por cada mogno derrubado.
Em fevereiro de 1972, a minha posse [dele, Genoino], como de muitos outros moradores dos lugarejos de Santa Isabel e Santa Cruz do Araguaia, foi ameaçada de invasão pelo grileiro Olindo, capitão reformado da Aeronáutica e dono da Fazenda Capingo (Capim Goiás), no norte do estado de Goiás.
Em julho de 1973, dois mil trabalhadores de Conceição do Araguaia denunciaram em carta dirigida aos ministros do Trabalho e da Agricultura as precárias condições em que viviam e a ameaça permanente de serem expulsos de suas terras pelos proprietários da Companhia Agropecuária Rio Araguaia (Capra), pertencente ao grupo Bradesco...”
Essa, em traços gerais, era a região onde se travaria a guerrilha.


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