Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.

Consulte o dicionário do cinismo, no rodapé do blog.

Divulgação literária e outros babados fortes

Versos cretinos, crônicas escrotas e contos requentados. O resto é pura prosa.

domingo, 27 de junho de 2010

Capítulo 9


Capítulo 9 - O dia-a-dia dos futuros guerrilheiros

Como vimos, os militantes, quando chegavam à região, procuravam adotar uma cobertura legal: tornavam-se posseiros, pequenos comerciantes, dentistas, parteiras, mariscadores, etc. A maioria possuía uma roça, onde trabalhava.
Genoino descreveu em várias entrevistas o cotidiano dos futuros guerrilheiros. A maioria era composta de estudantes de classe média, acostumados à vida nas grandes cidades, a freqüentar festas, teatros, barzinhos, etc. Segundo ele, a primeira grande mudança era a disciplina rígida. Havia horário para tudo: para acordar, para fazer ginástica, para trabalhar na roça. O trabalho na roça servia para endurecer os músculos, calejar as mãos e dar resistência. Ao mesmo tempo, era um ponto de aproximação com a população.
            Nesse primeiro contato, os militantes procuravam conhecer a linguagem, os usos e os costumes dos moradores. Era necessário aprender, por exemplo, que juquira era o trabalho na roça e que terecô era a macumba local. A conversa girava sobre as pragas, a falta de feijão, os grileiros, o arroz. Nas palavras de Genoino, era um contato simples e pequeno. Os moradores vinham visitar os forasteiros e estes retribuíam a visita.
“Tinha uma espécie de lei geral: “ouvir muito e falar pouco”. Não havia mesmo condições de discutir o que não se sabia. O nosso professor era exatamente o pessoal da região, maranhenses, baianos e muitos goianos.”[1] Grifos nossos.
            A noite era reservada para ouvir no radinho Companheiro as transmissões internacionais: a BBC de Londres, a Rádio Tirana, da Albânia, a Voz da América e a Rádio Havana. As notícias do Brasil vinham através da Rádio Bandeirantes de São Paulo.
            Em geral, moravam quatro ou cinco numa cabana. Havia um sistema de rodízio, de modo que cada um aprendia a cozinhar, lavar roupa, costurar e cuidar de outras tarefas. A criação incluía cães para a caça e a guarda da casa e burros para o transporte de mantimentos.
            A sobrevivência num meio hostil exigia um longo aprendizado, que começava com o domínio da enxada, do facão, do machado e da foice. O desafio não era pequeno. Genoino conta que um companheiro rachou as mãos ao cortar lenha com um machado e ficou meses se recuperando. Era necessário saber caçar, atirar, correr no mato e nadar. O treinamento incluía: acostumar-se com as cobras, que eram abundantes; ser capaz de comer qualquer tipo de carne e de carregar pesos por longos períodos.
 “No terreno político, a fase de pequenas conversas vai dar lugar a um relacionamento muito mais direto e integrado com a população: vamos trabalhar juntos, abrir picadas de uma casa para outra, fazer mutirão para trabalhar na roça. A gente era um deles!” [2] Grifos nossos.
            Em meados de 71, começou a elaboração de um programa que abordava o problema de terra e propunha medidas para melhorar as condições de saúde e de educação da população local e combater a miséria – o programa da ULDP. [3]
“... esses 27 pontos sintetizam as reivindicações mais sentidas e imediatas do homem desta região. Incluem tudo que ele deseja e tem direito. Representam, contudo, o mínimo exigido por ele nas condições atuais. Por isso a ULDP considera que este é um programa em defesa dos pobres e pelo progresso do interior. Em torno dele se unirá o povo sofrido: os lavradores, os castanheiros, os vaqueiros, os garimpeiros, os peões, os barqueiros, os que trabalham na madeira e na quebra de babaçu, os pequenos e médios comerciantes, enfim, todos os que querem o progresso da região e a facilidade de seus habitantes.”
            Genoino afirma que esse programa era discutido numa “conversa natural” nos mutirões. Ele foi elaborado, ponto por ponto, partindo das queixas escutadas nas novenas e nas festas em que os militantes participavam.
Há que se pesar com cuidado o que seria essa conversa natural. A maioria da população era analfabeta ou semi-analfabeta. Embora escrito numa linguagem simples, o texto era de difícil leitura para esses moradores. O programa, em sua introdução, afirma que “o interior somente poderá sair da situação atual quando se fizer uma revolução popular que liberte o Brasil de todos os obstáculos a seu progresso e se crie um governo realmente do povo.” Esse grau de elaboração política e de abstração estava fora do alcance dos moradores, naquele momento. E, pelas normas de conduta que os guerrilheiros adotavam nos contatos com a população, não poderia ser discutido abertamente e em profundidade. O próprio Genoino afirma:
“... A gente também levava em conta que não podia contar com o apoio político declarado da população, porque, se houvesse isso, a repressão vinha e nos pegava.” [4]
Nessas circunstâncias, essa conversa natural seria uma apresentação aos moradores, na linguagem local, da sistematização de seus problemas mais imediatos, com propostas de solução para cada um deles. O programa era muito amplo e suas bandeiras de luta poderiam ser adotadas pela população local.
Em 71, chegam os últimos militantes. O Destacamento B estava praticamente completo, cobrindo uma área de 20 km de frente por 20 km de fundo, da Palestina a São Geraldo. A partir daí, o treinamento militar vai ser feito de maneira mais sistemática.
 “Em casa, tínhamos um programa que ia das 6 às 10 da noite.
A gente acorda às 6 em ponto. Fazia ginástica de características militares, exercícios para enrijecer os músculos. Era feita no terreno de casa, porque na área, das 6 as 7 e 30, não circula ninguém. Uma corrida, um pique, camuflagem, rastejamento, carregar peso, ficar com o braço estirado para adquirir resistência no pulso, carregar um companheiro imobilizado. Uma hora e meia de ginástica pesada. Era geralmente dirigida pelo Osvaldo, o comandante geral.
Cada grupo tinha um chefe. Tínhamos uma norma geral: ficar correndo durante uma hora sem parar dentro do mato. Como se morava às margens do Gameleira, tinha quase meia hora de natação. A gente atravessava o rio com peso nas costas.
Quando se ficava em casa, uns trabalhavam na roça ou apanhando arroz, de acordo com a programação – tinha banana, inhame e mandioca -, outros iam para o mato caçar. Ao mesmo tempo, treinamento de sobrevivência e resistência.
Então a gente ficava o dia inteiro na roça, e comia um prato que chamávamos de quebra-jejum. Ia para a roça, ficava até umas 6 horas, jantava e ficava à disposição do noticiário.
Quando se estava no mato era bem diferente. ... Ficávamos andando, caçando, reconhecendo grotas, tipo de vegetação, de morro. Ia até umas 4 da tarde, dormia até uma 5 e meia, no outro dia levantava acampamento – 5 e meia, 6 horas. ”[5]
Já é hora de apresentar, com maiores detalhes, um personagem que teve papel relevante no curso da guerrilha – a selva amazônica.  Para o resto do Brasil, o que se conhece como floresta são uns poucos trechos de Mata Atlântica. Nada mais distante da vegetação da região. Em inglês, esse tipo de floresta é conhecido como “rain forest”, a floresta de chuva.  De fato, na Amazônia chove torrencialmente durante quase a metade do ano - é o chamado inverno. A outra estação, o verão, é a estação seca. Segundo um paraense, durante o inverno, chove o dia todo; no verão, chove todo dia. As duas estações são muito quentes.
Em conseqüência dessa umidade abafada, roupa, armamentos, medicamentos, víveres, tudo se deteriora. Para se proteger da chuva, um pedaço de lona era item obrigatório no equipamento dos guerrilheiros. Abrigados, ainda corriam o risco, sempre presente, do desabamento das árvores mais velhas.
As árvores atingem alturas de até 40 metros, com copas muito próximas entre si. Do alto, é praticamente impossível se enxergar o que passa no nível do chão, o que torna a aviação inútil como arma de ataque. Por outro lado, quem está em baixo mal enxerga a luz do sol. No interior da mata, as horas de claridade são poucas.
Genoino conta que Osvaldão costumava levá-lo para dentro da mata, a algumas centenas de metros do barracão onde moravam. O desafio era encontrar o caminho de volta. Sozinho, era uma tarefa impossível. Mesmo para quem sabia se orientar, o deslocamento na selva era muito lento. Marchando o dia todo, os guerrilheiros conseguiam percorrer, no máximo, uns 12 km. A alternativa eram as trilhas e picadas (piques e piseiros, na linguagem local), onde sempre havia o risco de uma emboscada.
Como a visibilidade dentro da mata é muito pequena, o olfato e a audição jogam um papel muito importante. Uma peculiaridade dessa floresta é que a disposição das árvores cria um efeito de amplificação dos ruídos. Os cocos que abundam na região, para serem comidos, precisam ser quebrados ou ralados. Foi esse barulho que muitas vezes denunciou os guerrilheiros. O fogo pode ser detectado de longe, pelos mateiros mais experientes, ou até mesmo avistado por um avião de patrulha. Tudo isso fazia da alimentação de um destacamento de guerrilheiros um sério problema.
A selva dá uma falsa idéia de abundância. Entretanto, como a caça com armas de fogo era muito arriscada, havia poucas alternativas além da coleta de frutos. Abordando o tema, João Amazonas disse que se deveria erguer um monumento ao jaboti. Pelas suas características, ele era um elemento constante na dieta dos guerrilheiros. É uma caça muito nutritiva, que pode ser apanhada com as mãos e fácil de se guardar: bastava colocá-lo numa forquilha, para ser recolhido mais tarde.
Na mata se convive o tempo todo com cobras e mosquitos. Esses últimos eram até mais temíveis, porque transmitiam a malária e a leishmaniose. Outras espécies produziam picadas muito dolorosas, que às vezes infeccionavam.
Na difícil tarefa de se adaptar a essas duras condições, Zezinho e Osvaldão foram os que mais se destacaram. Alguns guerrilheiros nunca o conseguiram. Os recrutas do exército enviados para as primeiras campanhas fizeram um papel lamentável. Houve deserções, suicídio e muitos ficaram com seqüelas psicológicas permanentes. Só nas últimas campanhas, com tropas especializadas e a ajuda maciça dos mateiros, é que os militares conseguiram superar o meio adverso. 
Poucos caboclos, além dos índios Suruís, que tinham uma aldeia nas proximidades do Destacamento A, se sentiam em casa na selva. O simples ato de andar na floresta é uma ciência complexa. O depoimento de um morador, que serviu como mateiro do exército, dá uma idéia da difícil arte de interpretar os vestígios deixados na mata:
“No caso das pegadas, ele observava se uma minúscula teia de aranha tinha se formado no chão marcado pelo autor da pegada. Aquele tipo de sinal levava 24 horas para aparecer e permitia o diagnóstico preciso.
Com os ramos na beira dos caminhos, acontecia algo semelhante. Depois que a pessoa passava, pequenos mosquitos pousavam nas folhas. A quantidade de mosquitos definia quanto tempo antes o mato tinha sido tocado. O mateiro achava que os insetos se alimentavam do suor deixado por quem esbarrava nas folhas. ”[6]
            Quando as ações começaram, cada grupo de guerrilheiros tinha seus especialistas em apagar rastros e camuflar acampamentos. Provavelmente, eles nunca foram páreo para os mateiros que haviam passado toda a vida na região. Um oficial do exército, avaliando as dificuldades do combate na selva, foi taxativo: “Se você soltasse um vietcong aqui, ele não duraria uma semana.”
Não podemos ignorar que o Destacamento de Genoino operava numa área de densidade populacional mais baixa, onde a mata era mais bem fechada. Isso permitia que eles tivessem um programa de treinamento militar mais formal, com horários rígidos e exercícios. Já dia-a-dia do destacamento A era diferente. Como havia um contato social muito intenso com os moradores, eles tinham que estar sempre prontos para receber alguém, sendo impossível cumprir uma rotina de treinamentos como a do destacamento B.
Segundo Criméia, o treinamento básico era o de sobrevivência. As próprias atividades comuns na região serviam para prepará-los fisicamente.  Quando moravam nas margens do Araguaia, nadavam sempre. Os mantimentos deviam ser carregados nas costas, pois não havia serviço de entrega. Para ir visitar um morador, era preciso fazer uma marcha de alguns quilômetros. Para se locomover pelos rios, era preciso remar.
Finalmente, se aprendia a atirar caçando. O uso de armas era obrigatório na região e muitas vezes os moradores disputavam entre si, quem tinha a melhor pontaria. A fama de boa atiradora que Criméia adquiriu provinha dessas disputas. O seu primeiro tiro foi um êxito total: acertou um coquinho com um 38.  Ela fez a mira, apoiou o braço com a mão no cotovelo, para evitar o coice, fechou os olhos e acertou o alvo em cheio! O fato de ter um pulso bem firme pode ter sido a razão desse êxito.
O armamento era muito precário - os fuzis eram de 1918! Quando andavam na mata, os guerrilheiros evitavam colocar a bala na câmara, porque havia o risco de a arma se enganchar em algum cipó, ocasionando um disparo acidental (a bala fica presa por um ferrolho, que tem uma trava de segurança).  Quando o fuzil era armado muito depressa, era comum o ferrolho se soltar na mão do atirador. Foi o que aconteceu uma vez com Criméia, impedindo que ela abatesse uma anta, uma caça muito valiosa pelo sabor e pela quantidade de carne.
Criméia esclarece que, embora a maioria dos moradores fosse analfabeta e sem uma formação política maior, há que se relativizar a afirmação de Genoino sobre a ausência de discussão política.  Mesmo antes da chegada dos guerrilheiros, era costume na região se escutar as rádios de ondas curtas: BBC, Voz da América, Tirana, Havana, etc. Eles sabiam da existência de uma grande guerra, a do Vietnã. Estavam informados sobre o que acontecia no mundo, ainda que pouco soubessem sobre o que acontecia no resto do Brasil. Talvez não tivessem a formação adequada para interpretar essas informações. Em relação ao nosso país, por exemplo, tinham horror a ditadura de Getúlio!
Os guerrilheiros não contavam com instalações de rádio, como as que o exército alegou ter encontrado na Faveira. Havia sim alguns walk-talkies que nunca funcionaram na mata. O máximo que se conseguia era comunicar da Faveira com o barco do Joca. O próprio exército se queixou desse problema e foi obrigado a usar os transmissores de rádio das grandes fazendas ou empresas.
Um dos pontos do programa da ULDP se referia à cobrança de impostos. Os moradores só viam o governo extorquindo suas economias e não sentiam o retorno. “Onde o governo está enfiando o meu porquinho?” – era um comentário típico. Em Ponta de Pedra, a professora era cega de um olho e semi-analfabeta. Era a ilustração perfeita do dito popular sobre a terra dos cegos.
Criméia conta que a cobrança era feita por um barco, “o barco da coletora”, que percorria o Rio Araguaia, com uma bandeira do Brasil hasteada na proa. Era conhecido também como o barco dos três poderes, porque carregava uma mulher, a coletora, o delegado de polícia e um representante do prefeito.
Os moradores costumavam vender seus produtos em Goiás, do outro lado do rio, onde obtinham um preço melhor. Quando a coletora abordava um desses barcos, aprendia toda a mercadoria, que naturalmente não estava acobertada por nota fiscal e nem havia recolhido o ICMS.
A PM, quando recebia comunicação de alguma briga ou conflito, prendia o morador que considerava culpado e o deixava amarrado a uma árvore, esperando a volta do barco dos três poderes, para conduzir o preso. O município mais próximo era São João do Araguaia, uma cidade centenária, com um forte muito antigo. Ela ficava sobre a linha do Tratado de Tordesilhas, que dividia as possessões de Espanha e de Portugal.
Embora a população estivesse muito dispersa, havia uma rede de comunicação natural, cujos nós eram as corrutelas. Quem passava por um desses povoados dava e recebia notícias dos parentes e conhecidos. Os forasteiros que chegavam à região, quase sempre estavam fugindo de algo. Ora era um posseiro expulso de sua terra, ora um capanga foragido da polícia. A grilagem estava começando, assim como a expansão do latifúndio, que era totalmente improdutivo. Os fazendeiros usavam o gado simplesmente para se apossarem de novas terras. A tática era colocá-lo na divisa, para justificar a anexação de novas áreas de pasto.
Com a Belém Brasília e a chegada do Incra, que começou a cadastrar as terras, os moradores começaram a ter receio de serem expulsos. As profecias do Padim Padre Cícero sobre o fim dos tempos eram levadas muito a sério. Uma delas dizia que o mar iria virar sertão e o sertão virar mar. No fim dos tempos, não se poderia confiar em ninguém - o pai não poderia confiar nem mesmo no próprio filho. Por isso, faziam depósitos em que guardavam mantimentos, sem contar a ninguém da família. A bandeira da salvação era verde, que eles interpretavam como sendo a mata. Na manobra de 70 que o Exército realizou, houve o lançamento de napalm no Rio Tocantins. A imagem da água pegando fogo calou profundamente nos moradores e reforçou a idéia de que o fim do mundo estava próximo.










[1] Guerrilha do Araguaia, História Imediata, p.34
[2] Guerrilha do Araguaia. História Imediata p. 35
[3] União pelas Liberdades e Direitos do Povo, organização de massa criada pelo partido. Possuía inúmeros núcleos e era o braço político da guerrilha. O programa vem ao final do livro, como anexo.
[4] Guerrilha do Araguaia. História Imediata, p. 36.
[5] A Guerrilha do Araguaia , História Imediata, p. 37.
[6] Operação Araguaia, p. 495

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Carta de Sandra Starling ao PT mineiro

MANDA QUEM PODE, OBEDECE QUEM TEM JUÍZO. Adeus ao Partido dos Trabalhadores
Ao tempo em que lutávamos para fundar o PT e apoiar o sindicalismo ainda "autêntico" pelo Brasil afora, aprendi a expressão que intitula este artigo. Era repetida a boca pequena pela peãozada, nas portas de fábricas ou em reuniões, quase clandestinas, para designar a opressão que pesava sobre eles dentro das empresas.

Tantos anos mais tarde e vejo a mesma frase estampada em um blog jornalístico como conselho aos petistas diante da decisão tomada pela Direção Nacional, sob o patrocínio de Lula e sua candidata, para impor uma chapa comum PMDB/PT nas eleições deste ano em Minas Gerais.

É com o coração partido e lágrimas nos olhos que repudio essa frase e ouso afirmar que, talvez, eu não tenha mesmo juízo, mas não me curvarei à imposição de quem quer que seja dentro daquele que foi meu partido por tantos e tantos anos. Ajudei a fundá-lo, com muito sacrifício pessoal; tive a honra de ser a sua primeira candidata ao governo de Minas Gerais em 1982. Lá se vão vinte e oito anos! Tudo era alegria, coragem, audácia para aquele amontoado de gente de todo jeito: pobres, remediados, intelectuais, trabalhadores rurais, operários, desempregados, professores, estudantes. Íamos de casa em casa tentando convencer as pessoas a se filiarem a um partido que nascia sem dono, "de baixo para cima", dando "vez e voz" aos trabalhadores.

Nossa crença abrigava a coragem de ser inocente e proclamar nossa pureza diante da política tradicional. Vendíamos estrelinhas de plástico para não receber doações empresariais. Pedíamos que todos contribuíssem espontaneamente para um partido que nascia para não devermos nada aos tubarões.

Em Minas tivemos a ousadia de lançar uma mulher para candidata ao Governo e um negro, operário, como candidato ao Senado. E em Minas (antes, como talvez agora) jogava-se a partida decisiva para os rumos do País naquela época. Ali se forjava a transição pactuada, que segue sendo pacto para transição alguma.

Recordo tudo isso apenas para compartilhar as imagens que rondam minha tristeza. Não sou daqueles que pensam que, antes, éramos perfeitos. Reconheço erros e me dispus inúmeras vezes a superá-los. Isso me fez ficar no partido depois de experiências dolorosas que culminaram com a necessidade de me defender de uma absurda insinuação de falsidade ideológica, partida da língua de um aloprado que a usou, sem sucesso, como espada para me caluniar.

Pensei que ficaria no PT até meu último dia de vida. Mas não aceito fazer parte de uma farsa: participei de uma prévia para escolher um candidato petista ao governo, sem que se colocasse a hipótese de aliança com o PMDB.

Prevalece, agora, a vontade dos de cima. Trocando em miúdos, vejo que é hora de, mais uma vez, parafrasear Chico Buarque: "Eu bato o portão sem fazer alarde. Eu levo a carteira de identidade. Uma saideira, muita saudade. E a leve impressão de que já vou tarde".

domingo, 13 de junho de 2010

Entrevista de Dilma para a Veja

Assim que esquentou a campanha presidencial, foram divulgadas fotos da ficha policial de Dilma. Simultaneamente, surgiram  acusações de que ela teria participado diretamente em ações armadas que resultaram em mortes. Alguns amigos meus tomaram as dores da candidata e quiseram abafar esse debate. 
Nessa entrevista, a candidata dá as devidas explicações e mostra que não precisa de "segurança" para fazer campanha. Os trechos em negrito foram grifados por mim. Ressalte-se que a entrevista foi feita via e-mail, sem direito a réplica, e que a Veja atinge prioritariamente as classes A e B. Não sei se seria esse o discurso da candidata em frente às câmeras de televisão.
Seguem os trechos da entrevista em que ela fala sobre a luta armada. A entrevista saiu no último número da revista.  



...
De tanto cumprir cadeia política durante a ditadura Vargas, o grande escritor Graciliano Ramos, um tipo depressivo, saiu-se com essa: “É-me indiferente estar preso ou solto”. A senhora chegou a ter um sentimento parecido?

Não. Nos cárceres da ditadura militar, sempre ansiei pela liberdade. Mas entendo bem a que o Graciliano se refere. Existe a figura do preso velho, conhecedor dos caminhos dentro da cadeia. Isso dá uma certa sensação de controle que, ao final da minha pena de três anos, tornava a prisão menos insuportável. Eu tinha um esconderijo de livros e, com a ajuda do dentista da penitenciária, trocava bilhetes com meu marido, preso na ala masculina. Contávamos com algumas boas almas entre os carcereiros, e o capelão militar deu-me uma Bíblia, que, para passar pela fresta da porta da cela, teve sua capa arrancada. Um sargento detonou, sem querer, uma bomba de gás lacrimogêneo perto das celas e abriram um inquérito para apurar responsabilidades. Nós, as presas, sabíamos quem era o culpado, mas decidimos não identificá-lo. Com isso caímos nas graças dos sargentos. Enfim, o preso velho começa a acomodar seus ossos naquele ambiente.

Em situações extremas as pessoas costumam ter reações inesperadas. Quem era forte revela-se um fraco. O frágil se transforma em valente. A senhora se viu na cadeia, sob tortura, tendo reações surpreendentes?

É um pouco mais complexo do que você imagina. Depende muito do seu momento. A mesma pessoa pode estar forte um dia e em outro desabar – ou estar entregue e, de repente, encontrar forças descomunais que não sabia possuir. É o momento que manda, e você não manda no seu momento.

A sua opção pela luta armada na juventude vai ser um assunto da campanha eleitoral. As pessoas querem saber se a senhora deu tiros, explodiu bombas ou sequestrou.

Estou pronta para esse debate. Pertenci a organizações políticas que praticaram esses atos. Mas eu jamais me envolvi pessoalmente em alguma ação violenta. Minha função era de retaguarda. Os processos militares que resultaram em minha condenação mostram isso com clareza. Nunca fui processada por ações armadas. Tenho muito orgulho de ter combatido a ditadura do primeiro ao último dia. A ditadura foi muito ruim. Cassaram os partidos políticos, fecharam órgãos de imprensa, criaram mecanismos de censura, torturaram… Mas o pior de tudo é que tiraram a esperança da minha geração. Quem tinha 15 ou 16 anos de idade quando foi dado o golpe de 64 não enxergava o fim do túnel. De um jovem cheio de energia e sem esperança podem-se esperar reações radicais.

É fácil falar vendo o filme de trás para a frente, mas hoje parece indiscutível que o pessoal da luta armada não queria a volta da democracia, mas apenas trocar uma ditadura de direita por outra de esquerda. A senhora tinha consciência disso?

Olha aqui, no meio da luta essas coisas nunca ficavam claras. O objetivo prioritário era nos livrar da ditadura, e lutamos embalados por um sentimento de justiça, de querer melhorar a vida dos brasileiros. Foi um período histórico marcante em todo o mundo. Os jovens franceses estavam nas barricadas de maio de 68. Jovens americanos morriam baleados pela polícia nos câmpus universitários em protesto contra a Guerra do Vietnã, a mais impopular das guerras dos Estados Unidos, um conflito que aos nossos olhos tinha uma potência tecnomilitar agressora sendo derrotada por um país pequenino, mas valente. Nossa simpatia com o lado mais fraco era óbvia. Depois daquela fase eu continuei lutando pela democracia no antigo MDB e no PDT. Nesse processo, eu mudei com o Brasil, mas jamais mudei de lado.

sábado, 12 de junho de 2010

Carta de Cóvis Petit para Aldo Rebelo


Aldo Rebelo:
Que patético, que vergonha e o quão sórdida e traidora representa a posição sua e do seu partido.
Pensei que você fosse comunista, (pelo menos você se diz), que estivesse do lado dos direitos humanos, em especial daqueles que morreram e deram suas vidas neste pais, muitos através desse Partido seu o PCdoB, como é o caso dos meus irmãos que morreram defendendo essa bandeira. Mas vejo que você está contra eles ou a memória do que eles representaram, pois quem apóia a impunidade dos carrascos que os trucidaram se coloca contra eles também.
Patética e covarde a sua posição não acha?
Você consegue dormir a noite?
Você realmente acha que o STF expressou a vontade nacional? Você acha que a vontade nacional é pela prevalência da impunidade e da consagração da tortura?
E pensar que o PCdoB sempre discursou, exaltando a luta da guerrilha do Araguaia, o heroísmo, etc. mas que vemos hoje que tudo isso nunca passou de um lema propagandístico e que é usado ainda hoje pelo seu Partido. No entanto a política do PCdoB é essa, a da traição da memória desses que lutaram e deram suas vidas.
Estou com nojo. Muito nojo mesmo.
Lembra-se do congresso da UNE lá em Piracicaba que você foi eleito presidente da UNE. Tinha um discurso firme, radical, cheguei até votar em você naquela ocasião.
Bem mais tarde, por volta de 1992 não me recordo a data encontrei você na casa de um amigo em Presidente Prudente que era do PCdoB e que fez questão de me convidar a um churrasco, pois voce estaria presente.
Mas que vergonha! O que você virou!
Espero não ouvir mais esses discursos triunfalistas do seu Partido em relação a qualquer morto e desaparecido político, como forma de propaganda de seu Partido. Ainda me verás virar bicho numa ocasião destas, e ainda ouvirão o que não estão preparados para ouvir.

Espero que você não se reeleja nesta próxima eleição, a cada mandato você se destrói enquanto pessoa e prejudica também a verdadeira democracia que almejamos.

Clóvis Petit de Oliveira (irmão de Maria Lucia, Lucio e Jaime Petit da Silva mortos na Guerrilha do Araguaia)
01/05/10 – Folha de São Paulo
Militares recebem com alívio decisão do STF
Jobim avalia que mexer na anistia é reabrir feridas sem ganhar nada em troca; Aldo Rebelo, do PC do B, também elogia medida.
Para o ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, decisão tomada pela corte é "lamentável': "o país tem que aprender a punir a tortura"

ELIANE CANTANHÊDE

Apesar das reações negativas, a decisão do Supremo Tribunal Federal a favor de não alterar a Lei da Anistia foi recebida com alívio por oficiais das Forças Armadas e elogiada até pelo deputado Aldo Rebelo, que é do PC do B (Partido Comunista do Brasil) e a considerou correta.
O ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), no entanto, considerou "lamentável" o fato de o Supremo ter decidido anteontem, por 7 votos a 2, que não cabe revisão da lei, editada em 1979, para permitir punição de agentes do Estado que tenham praticado tortura no regime militar (1964-1985).
Na avaliação militar, a decisão do Supremo e a nova redação da Comissão da Verdade, do 3º PNDH (Plano Nacional de Direitos Humanos), enterram a discussão sobre a revisão da Lei da Anistia. O novo texto foi sugerido pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, e prevê investigação dos dois lados, o dos torturadores e o das organizações de esquerda.
Conforme a Folha apurou, a avaliação de Jobim, que chefia hoje Marinha, Exército e Aeronáutica, é que mexer na anistia seria reabrir velhas feridas sem ganhar nada em troca. Para ele, a lei foi resultado de um acordo que interessava tanto aos governo militares, responsabilizados por torturas, como às organizações de esquerda, acusadas de sequestros e de usar bombas para reagir ao regime. Para Rebelo, o Supremo "interpretou a vontade nacional, que é a vontade da conciliação, da construção do futuro".
Já Vannuchi lamentou não ter sido criada no Brasil a cultura de contestar judicialmente os militares acusados de torturar opositores da ditadura, ao contrário do que ocorreu na Argentina e no Chile. Ele disse, porém, que foi positivo os ministros citarem a importância de abrir os arquivos do período. A pré-candidata à Presidência Dilma Rousseff (PT), em visita a Santos evitou comentar a decisão, dizendo que "não cabe mais discussão a respeito".
Em novembro de 2008, ela afirmou que os crimes de tortura cometidos durante a ditadura eram "imprescritíveis". Ontem, ao ser questionada sobre as divergências entre ministérios em relação ao tema, só disse que o parecer oficial do governo foi o da Advocacia-Geral da União, que recomendou a manutenção da lei. "Eu não sou a favor de revanchismo de nenhuma forma [...] É fundamental que o Brasil lembre e nunca mais caiamos numa ditadura", disse Dilma.
Colaboraram ANA FLOR, enviada especial a Santos, e a Sucursal de Brasília
PCB - Juiz de Fora

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Capítulo 8

Capítulo 8 – A região na época da Guerrilha
Na bibliografia consultada, há uma grande discrepância sobre a localização dos destacamentos, dos PA e dos locais onde ocorreram os choques. Tendo como base o Relatório Arroyo, o livro Operação Araguaia e o mapa militar reproduzido em A lei da Selva, conseguimos localizar os principais pontos e elaborar um mapa mais detalhado, que foi anexado como encarte. No momento, pretendemos apresentar em linhas gerais a região.

A área hachurada representa aproximadamente a região onde a guerrilha atuou

O Rio Araguaia corre em direção ao Tocantins, passando por Xambioá, Araguatins e, finalmente, encontrando suas águas em São João do Araguaia. Daí para frente, com o nome de Rio Tocantins passa por Marabá e continua até o mar, contornando a Ilha de Marajó. Pelo formato dos cursos do Araguaia e do Tocantins, a região onde se encontram é chamada de Bico de Papagaio. É uma tríplice fronteira entre os estados de Pará, Maranhão e Tocantins (Goiás, na época da guerrilha).
O Araguaia é o limite natural da guerrilha, que se desenrolou dentro do arco que ele forma, entre Marabá e Xambioá, sem sair do estado do Pará. O rio chega a 1 km de largura, em frente a Xambioá, e, devido às corredeiras, não é navegável daí até Santa Isabel do Araguaia. Nos outros trechos, ele pode ser percorrido por barcos. Em São Geraldo e Araguatins, a travessia era feita por balsas.
Os municípios, vilas e povoados maiores ficam às suas margens. À medida que se penetra no interior, a população vai raleando e alguns lugarejos se reduzem a umas poucas casas. Vários afluentes do Araguaia, rios e igarapés, facilitam a penetração. As grandes distâncias eram percorridas através de trilhas e picadas, em lombo de burros.
A região, praticamente plana, fica a 200 metros acima do nível do mar. O único acidente de importância é a Serra das Andorinhas, que alcança 600 m. de altitude. Na serra, totalmente coberta pela mata, exceto nos pontos mais altos, existem inúmeras grotas.
Mais ao fundo passa a rodovia PA-70, que nunca foi ultrapassada pela guerrilha. Segundo palavras do próprio Arroyo, em seu Relatório:
“A área de atuação dos destacamentos ia desde São Domingos das Latas até o Rio Caiano (pouco mais de 20 km de São Geraldo). Em extensão, essa área tinha cerca de 130 km de comprimento por uns 50 km de fundo. Um total de cerca de 6.500 km². A população da área onde atuavam os destacamentos era de mais ou menos 20 mil almas, sem incluir as zonas próximas, como Marabá (18.000 habitantes), Araguatins (5.000 habitantes). (No norte de Goiás e Oeste do Maranhão, durante uns três anos, realizou-se também amplo trabalho de ligação com as massas). Os produtos principais da área são: castanha-do-pará, babaçu, arroz, mandioca e milho. Quase toda a região é de mata e há muita caça.”
Nas primeiras campanhas, o exército fez vários prisioneiros, que foram levados para Brasília. Constatado o tamanho das forças que enfrentava e a duração que o conflito poderia alcançar, surgiu uma questão incômoda. O que fazer com esses presos? Muitos já haviam sido localizados pelas famílias e eram lideranças de massa conhecidas. Seria complicado forjar várias “fugas”, “atropelamentos” ou “suicídios”. A melhor solução era processá-los e condená-los. Mas como evitar que os processos se transformassem numa tribuna de propaganda da guerrilha?
A saída encontrada foi citá-los em vários artigos da Lei de Segurança Nacional, sem, contudo, acusá-los de serem guerrilheiros. Criou-se uma situação surrealista. Genoino, por exemplo, anexou uma carta-defesa ao Conselho de Justiça Militar em que procurava provar que havia participado de uma guerrilha. É dessa carta, escrita em fevereiro de 1975, que extraímos vários trechos que bem caracterizam a área da guerrilha:
“Nesta vasta e rica região, o homem morre de malária e de doença venérea, leishmaniose, verminose de todos os tipos, reumatismo e infecções respiratórias. Isso sem falar no grande número de pessoas que morrem de picadas de cobras venenosas, animal tão familiar aos moradores das regiões da selva.
... É grande a mortalidade infantil e as crianças que sobrevivem crescem raquíticas ou deformadas pela doença e pela miséria. É comum as mulheres morrerem durante o período de gestação ou durante o parto...
... A prostituição é generalizada nos povoados e cidades da Amazônia... O analfabetismo domina a maior parte dos moradores... Não existem escolas e as raras que ainda têm vida se localizam em alguns povoados da margem do Araguaia.
... Os moradores vivem abandonados e suas lavouras ficam entregues inteiramente às condições da natureza...
... Os únicos instrumentos com que contam para o trabalho são o machado, o facão e uma espingarda para caçar. Não recebem nenhuma ajuda ou qualquer assistência e quando aparecem os representantes do poder público é só para cobrarem impostos e fazê-los passar vexames. Os camponeses não têm meios para escoar os seus produtos, o que os obriga a vendê-los por preços irrisórios. Quando acumulam um excedente de arroz, feijão ou farinha ou quebram o coco de babaçu além de suas mínimas necessidades e procuram vender tais produtos, encontram preços muito baixos. Na maioria das vezes trocam-nos por café, açúcar, munição, botinas, alguma peça de roupa e remédios, que geralmente ostentam o rótulo Amostra grátis.
... Predomina o trabalho semi-escravo. Os grandes latifundiários usam o barracão como forma de pagamento e o trabalhador desconhece qualquer lei trabalhista...
... A castanha-do-pará, recurso natural da região que devia servir para melhorar a situação do povo, está controlada por grandes grupos econômicos, especialmente estrangeiros, que roubam do castanheiro no pagamento do seu ordenado, na medição dos seus produtos e na soma de suas despesas. O castanheiro – homem que junta, corta e lava a castanha – vai para a mata na pior época do ano, a das chuvas, recebe no barracão do castanhal um adiantamento de farinha, sal, fumo e munição.
Depois de permanecer quatro ou cinco meses na mata, tempo necessário para concluir a colheita da castanha, tem estipulado o preço do hectolitro da castanha (5 latas de 20 litros) em apenas Cr$ 10,00 ou Cr$ 12,00 e recebe seu saldo, quando existe, em gêneros alimentícios. O hectolitro da castanha, em 1972, custava em Marabá ou Belém Cr$ 60,00 ou Cr$ 70,00, o que já é um bom preço para as companhias exportadoras.
... Na extração da madeira, a exploração é semelhante à da colheita da castanha. As companhias madeireiras costumam despedir os trabalhadores sem pagar nem mesmo em gêneros alimentícios os seus já minguados CR$ 5,00 por cada mogno derrubado.
Em fevereiro de 1972, a minha posse [dele, Genoino], como de muitos outros moradores dos lugarejos de Santa Isabel e Santa Cruz do Araguaia, foi ameaçada de invasão pelo grileiro Olindo, capitão reformado da Aeronáutica e dono da Fazenda Capingo (Capim Goiás), no norte do estado de Goiás.
Em julho de 1973, dois mil trabalhadores de Conceição do Araguaia denunciaram em carta dirigida aos ministros do Trabalho e da Agricultura as precárias condições em que viviam e a ameaça permanente de serem expulsos de suas terras pelos proprietários da Companhia Agropecuária Rio Araguaia (Capra), pertencente ao grupo Bradesco...”
Essa, em traços gerais, era a região onde se travaria a guerrilha.


quinta-feira, 3 de junho de 2010

Continuação do Capítulo 7


Em termos revolucionários, as gerações não se contam de 20 em 20 anos. O PC do B de 62 era um, o de 66, outro e, finalmente, o de 72 era muito diferente do de 10 anos atrás. Embora um pouco arbitrariamente, fizemos uma tabulação do tempo de militância dos componentes dos três destacamentos e da comissão militar, escolhendo intervalos de 5 anos.





Se considerarmos que a guerrilha era uma amostra do partido, podemos concluir que o PC do B era um partido jovem, em que o grosso dos militantes ingressou depois de 66. Isso explica sua composição social, em que os quadros oriundos da pequena burguesia (estudantes, bancários, profissionais liberais, etc.) eram amplamente majoritários. Uma ressalva se faz necessária: muitas vezes, militantes que vinham das camadas mais pobres da população, ou mesmo de origem operária, eram recrutados no movimento estudantil, bancário, etc. Os quadros mais antigos vieram do período da insurreição de 35. O núcleo que dirigiu o partido após a repressão a esse movimento, enquanto Prestes estava preso, acabou se reagrupando em torno de Amazonas para reorganizar o PC do B. É significativo que o período de 46 a 60, época de legalidade ou de semi-legalidade, em que Prestes retomou a direção política, quase não esteja representado.






  
Acima vemos a composição dos destacamentos e da CM por idade.

Seus militantes eram aguerridos, acostumados à clandestinidade e ao enfrentamento da repressão. Por outro lado, há um hiato muito grande de gerações (no sentido tradicional) já que os militantes com idade entre 40 a 60 anos estão praticamente ausentes. João Amazonas tinha 60 anos, quando começou a guerrilha, Grabois um pouco menos. Se considerarmos que um militante típico é recrutado com cerca de 20 anos, a geração com 40 anos seria aquela que começou a militar na década de cinqüenta. Essa extrapolação corresponde à composição do Partido na cidade, se levarmos em conta os depoimentos que obtivemos de militantes e de dirigentes.
Politicamente, esse hiato representa uma quebra na transmissão de experiência e uma distância muito grande entre a direção e a base. Esses fatores condicionam a elaboração da política do partido, que passa a recair exclusivamente sobre a direção do Comitê Central e, dentro do Comitê, sobre um pequeno grupo. Considerando que os métodos de direção anteriores à cisão não sofreram uma crítica aprofundada, e que o núcleo mais ligado a Amazonas estava, direta ou indiretamente, envolvido com a execução do trabalho no campo, podemos vislumbrar aqui um dos fatores que levariam às futuras divergências sobre a avaliação do Araguaia.
É interessante notar que já havia algumas discordâncias latentes. Pedro Pomar, que inicialmente havia participado do levantamento de locais e do assentamento de militantes no campo, acabou sendo excluído dessa tarefa. Em documentos e entrevistas posteriores de Arroyo e do próprio Amazonas, há críticas, mais ou menos veladas, à sua atuação. Ele teria proposto a área do Vale da Ribeira, completamente inviável na opinião de João Amazonas e seria responsável pelo fracasso na implantação do trabalho em uma área.
Em 76, na reunião que iria avaliar a guerrilha, Pomar criticou a subordinação do Partido e do Comitê Central à Comissão Militar. “A parte do CC nas cidades deveria dar o máximo de apoio ao trabalho desenvolvido pela direção na área prioritária. As comunicações entre as duas direções dependeriam, como dependeram, da iniciativa e da responsabilidade da Comissão Militar. Em suma, tudo se condicionou ao êxito da luta armada que se preparava no Araguaia. Do ponto de vista político, os motivos e a decisão para o desencadeamento da luta também ficariam sob a responsabilidade da Comissão Militar.” [1]
Quando fizermos uma avaliação política do Araguaia, retomaremos as questões de mérito dessas divergências.
 







[1] Araguaia o Partido e a Guerrilha, Pomar, Wladimir, p. 296.