Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.

Consulte o dicionário do cinismo, no rodapé do blog.

Divulgação literária e outros babados fortes

Versos cretinos, crônicas escrotas e contos requentados. O resto é pura prosa.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Capítulo 3 - continuação

Feliz 1972!


Logo depois chegaram Ciro Flávio (Flávio) e Paulo (Amaury). Os dois vinham de Palestina, onde, por um ano, Amaury manteve uma farmácia. Em seguida, vieram Michéas (Zezinho) e Manoel Nurchis (Gil). Pela experiência de mata que revelaram, os dois já deviam estar na região há mais tempo. O que os seus companheiros ignoravam é que ambos haviam estado no curso da Academia Militar de Nanquim.

Suely foi a primeira mulher a chegar. Ela ficou na casa onde moravam Osvaldão, Geraldo e Glênio. O inverno, como é chamada a estação das chuvas, vai até maio, depois começa a época do plantio das roças. Foi durante o inverno de 71 que chegaram os últimos militantes. Os “goianos”, que foram apresentados para os camponeses como amigos de Osvaldão, ficaram numa casa. Eram dois casais: Vandick (João Goiano) e Dinaelza (Mariadina), Telma (Lia) e Elmo (Lourival) e Cilon (Simão).

Próximo ao Gameleirinha, um afluente do Rio Gameleira, ficaram, Luíza Garlippe (Tuca) e Pedro Alexandrino (Peri), mais um casal, e José Maurílio (Mané). Essa região, entre o Rio Gameleira e a Serra das Andorinhas, fica próxima a Santa Cruz, onde Amaury se estabeleceu com uma farmácia.

Walquíria (Walk) e Idalísio (Aparício) foram morar no Castanhal do Ferreira. Para lá também se dirigiram Antônio Teodoro (Raul) e Manoel Nurchis (Gil), que chegaram a trabalhar com Amaury em Santa Cruz.

Os dois militantes que iriam completar o Destacamento nunca chegaram. Essa era a formação inicial do Destacamento B, o destacamento de Osvaldão, que na opinião dos militares, era o mais bem preparado:

Comandante: Osvaldão - Vice-comandante Bronca

Grupo de Gameleiras (Região de Santa Cruz): Genoino (comandante) e Amauri (subcomandante) , Glênio, Suely, Tuca, Peri e Mané.

Castanhal do Alexandre : Zé Ferreira  (comandante) e Flávio (subcomandante), Walk, Idalísio, Raul e Gil.

Couro D'antas: Zezinho (comandante), Wandick, Simão, Lourival, Mariadina e Lia                

A área do Castanhal do Alexandre, também era conhecida como Castanhal do Zé Ferreira. Esse grupo, assim como o que atuava perto de Couro D'antas estava incompleto.
A formação do Destacamento B nos permite deduzir como foi feita a colocação dos militantes no Araguaia. Primeiro vieram os futuros comandantes e vice-comandantes de destacamento (Osvaldão em 66 e Bronca em 69, no caso do Destacamento B) e os membros da Comissão Militar (entre 67 e 68 chegaram: Maurício Grabois (Mario), Líbero (Joca), João Amazonas (Cid), Ângelo Arroyo (Joaquim), João Carlos Haas (Dr. Juca) e Elza Monnerat (Dª. Maria)).

Na região, era comum a chegada de forasteiros e a vinda de mais militantes não chamou a atenção. Os mais velhos recepcionavam os novatos, que eram apresentados como parentes ou amigos. Todos tinham uma cobertura legal, vivendo e trabalhando como os moradores nativos. O local onde faziam roça e erguiam sua moradia era chamado de ponto de apoio (PA).

O modo como Amaury se instalou na área é típico. Como farmacêutico, tinha grande contato com a população, facilidade em colher informações e, ao mesmo tempo, podia abastecer de remédios os futuros guerrilheiros. Como o objetivo principal não era obter lucro, ele podia fornecer os medicamentos a preços justos, vender fiado e tratar de graça os mais carentes.

Algumas militantes assumiram o papel de parteiras ou de professoras, outros abriram bodegas, sempre com objetivos similares. Quando começaram as hostilidades, os guerrilheiros eram bem quistos pela população, que os via como gente séria e respeitadora. Eram padrinhos de várias crianças e estavam integrados na vida social dos lugarejos.

1972 era considerado um ano decisivo pela direção do partido. Nesse ano se esperava concluir a formação dos destacamentos e completar o treinamento militar. A deflagração da guerra popular seria o próximo passo. A passagem de ano de 71 para 72 foi comemorada no Castanhal do Zé Ferreira em grande estilo. Segundo o relato de Glênio:

“A programação começou logo cedo com a preparação de uma emboscada simulada, no caminho que ia para a nossa casa no Gameleira. O local tinha chamado a atenção de nosso comandante. O resultado dessa emboscada foi um veado mateiro morto por Osvaldão para a nossa festa, que ia ter também polenta, feijão, arroz, carne seca, caititu, palmito de babaçu e muito leite de castanha-do-pará. Entramos no local da festa, o Osvaldão na frente com o mateiro sobre os ombros, em fila indiana, cantando a Internacional. Foi emocionante. Tio Cid [João Amazonas] quando ouviu o hino dos proletários saindo de dentro da floresta cantado por um bando de homens armados virou um menino traquinas, saltando no terreiro da casa.

Nesse dia tivemos de tudo: jogo de vôlei, música, poesias e teatro. De bebida, a semberaba de bacaba* , regando aquela comilança. A noite estava enluarada.”
*Refrigerante típico da região, feito com farinha e o fruto da bacaba
Segundo Genoino:

“... Cada um [dos três grupos] preparou um teatrinho. O nosso fez uma espécie de jogral mostrando o roteiro da nossa vida desde que a gente saiu da cidade. Colocávamos as dúvidas: deixar a família, a Universidade, a cidade, até a decisão; as primeiras impressões no mato, as primeiras mancadas, a gente pisando em ovos e a fase de domínio da região.

Outro grupo fez um jogral tipo literatura de cordel, com o programa dos 27 pontos, e o outro apresentou como era a vida na mata. Uma alegria geral. Teve muita cantoria, emboladas, o Idalísio tocava violão. A gente caçou carne, catou fruta e o arroz de nossa roça. Cantamos “Apesar de Você”, “Viola enluarada”..., músicas que tinham relação com nossa vida de estudante.”

Cinco minutos para meia-noite, os futuros guerrilheiros se perfilaram e saudaram a chegada de 72 com uma salva de tiros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário