Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.

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Divulgação literária e outros babados fortes

Versos cretinos, crônicas escrotas e contos requentados. O resto é pura prosa.

sábado, 2 de setembro de 2017

EL BORRADOR



El Borrador

A mão em concha recolheu a massa ainda quente e um pouco mole. Antes de usá-la, aspirou o cheiro forte e um pouco enjoativo. Comi muito doce hoje - pensou. O seu intestino era sensível ao açúcar e a fermentação atrapalhava a solidez do bolo fecal.
O primeiro arremesso grudou na parede. Não gostou da forma final. Usando as mãos como espátula, completou a obra. A servente que nos descreveu o atentado, quando chegava na parte em que haviam encontrado a ... a coisa, sempre balançava a cabeça, com os lábios apertados e a testa franzida. O trejeito descrevia o nojo que ela sentira melhor que qualquer palavra. A servente mais velha, que já havia visto muitos banheiros imundos em sua vida, conseguiu achar uma expressão: parecia coisa do demônio. No nosso andar, a história virou motivo de piadas e foi contada e requentada na roda do cafezinho.
Nossa repartição é muito respeitada pela imprensa e pela sociedade.  Pode ser que a fama seja justa, mas, de qualquer maneira, 9não somos muito ágeis em tomar providências. Tempos atrás começaram a sumir objetos. Uma bolsa, um celular, até o lanche esquecido em cima da mesa. A segurança era muito frouxa e o público tinha livre acesso ao prédio. Resolveu-se o problema colocando-se chaves nos armários. Aí começaram a sumir os equipamentos: um fax, uma impressora, um mouse; até que um dia levaram um computador inteiro.
Só então o chefe da segurança recebeu carta branca. Contratou uma equipe completa, com um responsável por andar. Em seguida colocou um sistema de vigilância com câmaras. Infelizmente, ou felizmente, não se pensou em monitorar os banheiros.
Depois do atentado, a reação foi imediata: cada seção passou a ter a sua chave e os banheiros masculinos, agora privativos dos funcionários, passaram a ser trancados. Pensamos que a história havia parado por aí, mas um novo ataque, desta vez num banheiro feminino, acabou com esta ilusão. A igualdade entre os sexos foi restabelecida - os homens não detinham mais o privilégio da porcaria.
De novo o cafezinho virou um fórum antiterror. As teorias sobre o personagem se multiplicavam e se contradiziam. No início, seria um cidadão revoltado, que colocou na parede a sua opinião sobre a nossa repartição. Depois da segunda ocorrência, ora ele seria um travesti, ora um funcionário enlouquecido, ora um louco cuja mania era freqüentar prédios públicos. O Oliveira, logo de cara, achou um nome perfeito para o terrorista: El Borrador. Embora a vigilância interna houvesse considerado questão de honra a sua captura, as semanas passavam e a opinião geral era que o crime ficaria impune.

 ... percebi que ele mudou de assunto quando cheguei. Todos estão me olhando de banda. O pior é que ele sabe que eu não vou reagir. Deus sabe que eu tento não aparentar o meu problema.  Mesmo assim, ele tem que me espezinhar todo dia, com suas brincadeiras idiotas. Ficou excitado com a história do banheiro e está se achando um grande caçador, correndo atrás da presa...

A mão em concha recolheu os jatos ainda quentes do líquido viscoso. Em seus dias de glória ele conseguia um arremesso de quase três metros. Agora estava reduzido a um palmo, mas a quantidade e a viscosidade não haviam perdido muito com o tempo. O cheiro de água sanitária era até agradável, mas ele não perdeu tempo. Espalhou o esperma no primeiro espelho à mão e se mandou.  Daí em diante, se tornou El Gozador.

... falei que não adiantava confiar nos outros. Escutou, com aquele bafo de cachaça. Ninguém o suporta, mas ele se ilude. Até que enfim tirou aquela bunda gorda da cadeira. Como fica ridículo naquele uniforme todo apertado...

Os funcionários estavam inquietos. Cada um inspecionava o banheiro, antes de entrar, e se fechava à chave por dentro, com medo de ser incriminado num novo atentado. A situação de dois machos se trancando no banheiro era constrangedora, mas logo se acostumaram com esta contingência. Depois de um certo tempo, a sensação de segurança voltou e a seqüência de pegar a chave, entrar no banheiro e trancar a porta se tornou mais uma das rotinas diárias.

Não adianta mais. Tentei conversar com ele. Riu, daquele jeito besta. Não entende nada de nada. Vai passando por cima de tudo, feito um trator. Falei do Segredo de Fátima. – A Fátima gorda? – Meu Deus, por que eu sou tão sensível a estas coisas? Por que a opinião dele me incomoda? Eu tenho 26 anos de serviço, devia deixar tudo isso prá lá...

 Ele observava o jato ainda quente e espumante que turvava a água do vaso. O cheiro era acre e a coloração quase alaranjada. Exagerei na cachaça ontem - pensou ele. Ele ouviu a porta do banheiro se abrindo e o ruído da chave fechando-a novamente. A porta do boxe estava aberta e ele ainda estava sacudindo o membro, quando se virou. Deu um urro, mais pelo susto do que pela dor da dentada.  Até que alguém conseguisse uma chave em outra seção para abrir a porta, El Gozador teve a vítima à sua disposição.
Naquele dia finalmente conseguiram agarrar El Borrador, digo El Gozador, ou seria melhor dizer, El Maricón. A vítima, o chefe da segurança, ainda traumatizado, repetia o tempo todo: - este safado nunca foi doido. Estava o tempo todo ao meu lado, me espreitando, planejando.
 Hoje nós podemos dizer que El Borrador foi, paulatinamente, preparando o cenário da caçada final, atiçando o pretenso perseguidor, guiando os seus passos, disfarçando as próprias pegadas, enquanto deixava uma trilha mal cheirosa. O caçador só soube que era a caça no último instante, quando a armadilha que ele mesmo construíra se fechou e ele encontrou o verdadeiro predador.



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