Os sonhos
Na adolescência, descobri
que tinha a habilidade de planejar meus sonhos. Ou, pelo menos, de controlar um
estágio de vigília meio adormecido. Num deles eu voava, passando por cima de
casas e cidades. Só precisava me concentrar para não perder altura, embora não
houvesse realmente o perigo de cair. A sensação era agradável. Sonhos Peter Pan.
Os sonhos induzidos, se é
que eram sonhos, às vezes escapavam do controle e acabavam virando pesadelos. Meus
pesadelos são recorrentes e me seguem até hoje, nas noites de insônia.
Quando garoto, tinha
alguns pavores: medo de bêbados e de loucos, medo de morrer afogado e de ficar
perdido. Quais seriam as Madeleines desses pavores?
Todo domingo, no Cinema
Rosário, antes dos filmes, passavam alguns seriados. Dentre eles, eu tenho
certeza de dois: Flash Gordon e Fu Manchu. Um episódio de Fu Manchu me perseguiu
por muito tempo. Na cena, a mocinha estava presa num cilindro de vidro, fechado
por uma tampa de aço. No recipiente havia um buraco por onde entrava a água,
que subia rapidamente. Durante algum tempo, ela conseguiu respirar o ar que
ainda havia na parte de cima, até ser encoberta totalmente pela água. O episódio terminava com ela se debatendo até
perder os sentidos. Não sei como a mocinha se salvou.
Hoje, quando estou
naquele estado intermediário, do qual ainda consigo sair por vontade própria, é
comum sonhar que estou numa caverna e tenho que mergulhar em um túnel cheio de
água. Eu nunca acho a saída. A variante
seca é quando fico entalado em uma passagem na rocha.
Será um eco da asma de
minha mãe, que herdei e repassei para o meu filho? Terá alguma conotação
sexual, como penso às vezes? Um pênis preso num buraco? O medo não tem uma base
real, porque eu tinha a mania de fazer túneis quando garoto. Nos barrancos da Rua
Cônego Floriano, no Bairro da Graça, onde a terra era avermelhada, com veios amarelados.
Ou na terra escura e fértil do quintal da Rua do Ouro. E adoro mergulhar.
Não gosto de altura,
embora não chegue a ser uma fobia e eu consiga caminhar sem medo num lugar
alto. Essa aversão produz os sonhos-gastura. Aquela sensação de passar o dedo
no veludo, ou de ouvir o giz rangendo no quadro. Nesses sonhos, vejo meu filho ainda
pequeno cair de uma janela. Quando chego na beirada de alguma coisa alta, na
vida real, às vezes me vejo caindo. É um flash que passa rápido e não retorna.
Os pesadelos propriamente
ditos, no estado de sonho profundo, eram outros. Sonhava que estava sendo perseguido
e que passava por vários cômodos sucessivos, que nunca terminavam; de uma sala
para um quarto, depois para uma cozinha e assim sucessivamente. Ou que estava
perambulando por uma cidade perfeitamente desconhecida, andando por ruas
intermináveis, percorrendo bairros diferentes, querendo chegar a um lugar que
não eu conseguia situar.
Os filmes e os livros da
coleção Terramarear deram origem aos sonhos de espadachim, nitidamente
inspirados em Scaramouche e Stewart Granger. Na vida real, eu tinha medo de
facas e canivetes. Lembro como fiquei quando li o significado da expressão: “briga
de homem é com camisa amarrada”. Dois cangaceiros amarravam as beiradas das
camisas desabotoadas e iam se furando, com suas peixeiras. Alguma coisa entre a
gastura e o pânico.
Minha mãe contava a história
de um menino que havia estava apontando um lápis com uma gilete. De repente
sentiu uma coceira nos olhos e, distraído foi esfregá-los, cortando-se com a
lâmina. Meu Buñuel - gastura, definitivamente.
Quando eu morria nos
sonhos era sempre com um tiro, como um herói que finalmente é derrotado pela
traição, ou pelo número dos adversários. A espada, com certeza, é um símbolo
fálico. Freud sabia das coisas.
Da leitura do livro “Tarzan
e os homens-formigas”, me ficara a imagem de uma tribo de mulheres. Nos meus
sonhos induzidos, eu fantasiava mulheres nuas, que podiam ser atravessadas de
lado a lado por uma espada e que nunca sentiam dor ou ficavam feridas. De
alguma maneira, elas estavam associadas a um nome: Alali. Minha fantasia era
atravessá-las de todas as maneiras, com predileção pelos seios. Outro dia achei
o livro em um sebo. Dei uma rápida folheada e o nome Alali trouxe de voltas as
minhas mulheres.
Sonhos de
pré-adolescente. Os hormônios ainda não haviam entrado em ebulição. Não preciso
dizer porque nunca tive vontade de fazer análise: eu mesmo sou meu terapeuta.
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