Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.
Consulte o dicionário do cinismo, no rodapé do blog.
Divulgação literária e outros babados fortes
Versos cretinos, crônicas escrotas e contos requentados. O resto é pura prosa.
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
A morte do Grande Irmão
RIO - A julgar pelos números divulgados pelo governo norte-coreano, as homenagens públicas ao ditador Kim Jong-il estão entre as cerimônias fúnebres mais concorridas da História. De acordo com as autoridades, cerca de 5 milhões de pessoas se reuniram diante de retratos e estátuas do Querido Líder na capital, só nas primeiras 48 horas. Considerando-se a população do país de aproximadamente 24 milhões, quase um quinto dos norte-coreanos - e isso só na capital - já teria prestado suas últimas homenagens ao homem que nos últimos 17 anos os manteve sob o ferrolho de um dos regimes mais fechados e repressivos do planeta.
As cifras divulgadas pelo governo norte-coreano saltam mais aos olhos quando comparadas com a população de Pyongyang: 3,2 milhões de pessoas, segundo dados do censo de 2008. Num país onde o transporte público é precário, 104 mil pessoas estariam passando por hora - dia e noite - diante das estátuas e retratos de Kim Jong-il: 29 por segundo.
Tais números deixariam no chinelo os funerais de outras personalidades da História recente. No velório público de John Kennedy, em 1963, 250 mil pessoas se despediram do presidente americano durante 18 horas - uma média de 13.900 por hora, e apenas 3,8 por segundo. Já a idolatrada princesa Diana levou três milhões às ruas de Londres em seu funeral em 1997. Outra figura pranteada pelas massas foi o Papa João Paulo II, cuja morte em 2005 entupiu as ruas de Roma e do Vaticano com entre 2 milhões e 4 milhões de fiéis.
Nada que se compare, pois, ao Querido Líder. No ritmo divulgado pelas autoridades norte-coreanas, até o dia 28, data do funeral, quase toda a população do país já o terá homenageado. Mais um recorde para um líder que, segundo a propaganda oficial, foi saudado não por um, mas por dois arco-íris no céu no dia de seu nascimento.
sábado, 24 de dezembro de 2011
35 Anos da Chacina da Lapa
Fiz duas reuniões nesta casa da Lapa, quando era da UNE. Reconheci a mesinha de centro que aparece nas fotos.
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
Conto de Natal
Quando o conto foi escrito, o salário mínimo era de R$ 260,00. O Natal continua o mesmo.
Conto de Natal
O Sr. Erany informa que tem 67 anos, é aposentado e sustenta um filho epiléptico e uma mulher “com paralizia”. Nada disso é relevante para o processo em tela, mas ele, com aquela educação das pessoas humildes, acha que é necessário se apresentar e explicar minuciosamente sua história.
Tudo está informado em uma folha de papel almaço, com letra irregular e surpreendentemente legível, apesar de tremida. Aduziu que não encontra emprego, por causa da idade. Ganha R$ 260,00 de aposentadoria, o que mal deve dar para os remédios. Isso ele não revela, com aquele resto de pudor que ainda mantém.
Inicia nomeando o cargo da autoridade competente, precedido pelo indefectível Sr. Dr Fulano de Tal. O assunto é a sua inscrição em dívida ativa. A origem do débito é explicada com singeleza: para aumentar os seus proventos, montou uma barraquinha de ambulante, tudo legalizado, segundo ele. Mas assim não entendeu o fiscal municipal de postura, que lavrou o competente auto de infração. Ainda segundo ele, a multa o deixou “decepissionado”.
Não há dúvida de que o estilo é o homem. Logo à frente, pondera que a razão do não pagamento é “porque, talvez, ele não tinha dinheiro”. A frase é toda uma vida. Usa-se um eufemismo para não ofender tão alta autoridade com problemas tão prosaicos. Reconhece a obrigação de pagar e não cogita em argumentar que ela é injusta - todo o seu argumento é “ad misericordiam”.
O Sr. Erany é um daqueles homens bons, que acredita no poder de uma boa conversa, com jeitinho, sem forçar a barra. Até se excede um pouco, afirmando que, “com certeza”, o Doutor veio das classes humildes. Talvez isso fosse verdade no seu tempo, em que o filho da lavadeira começava como contínuo e ia galgando, degrau por degrau, a hierarquia do serviço público.
Os tempos agora são outros. A Carta Magna de 1988 acabou com os privilégios e decretou a igualdade de todos perante a lei. A nomeação para os cargos de carreira se faz através da aprovação em concurso público. Quero ver o filho da lavadeira, que estudou em escola pública, que escreve “paralizia” e “dessepicionado” chegar até aqui, onde eu cheguei.
Entretanto, o coitado persiste nesta crença e acha mesmo que a autoridade pode ser sensível ao seu apelo. Admitindo que o fosse, estaria cometendo crime de prevaricação se agisse contra a legislação em vigor, apesar do motivo humanitário. Tenho certeza que ele desconhece o que seja prevaricação.
Porque há o motivo. O Sr. Erany não mente. Sua exposição é uma peça inteira, consistente, uma aula de sociologia em uma única mísera lauda de papel almaço, meio amarelado. Acabo por admitir que no seu pedido há muito mais conteúdo do que no meu arrazoado. Esse meu estilo cartorial e pedante, cheio de polissílabos e de jargão jurídico, temperado com um latim macarrônico, acaba abafando as minhas convicções.
Em anexo, xerox da carteira de identidade e mais uma papelada: exames, atestados, etc. Já se acostumou a ter que provar que é ele mesmo, e que o que disse é verdade. Não perdi tempo olhando a sua foto.
Sou simpático à sua causa, não à sua figura. Ele me irrita com seus eufemismos, sua humildade, sua resignação. Indigno-me, por ele que não se indigna. Infelizmente, uma repartição pública é o lugar mais inadequado do mundo para indignações. Se o papel aceita o que se lançar nele, o papel dos processos é de um tipo especial, anti-séptico, apesar de ser freqüentado por ácaros, fungos e bactérias de todas as cepas. O chefe pode passar por alto um estilo não parlamentar, digamos assim, mas quer saber qual a motivação do despacho, o seu enquadramento legal. E é ele quem decide. Eu apenas emito um parecer, penso que acho alguma coisa, salvo melhor juízo.
É claro que indeferi de pleno o pedido, por carecer de embasamento legal. Não, não fiz nenhuma subscrição entre os colegas. O Sr. Erany que se vire para pagar a multa. Porque ele vai pagá-la, pobre não sabe sonegar e perde o sono se ficar devendo. Que seja às custas do remédio da mulher, ou do filho, pouco se me dá. A caridade não é uma das minhas virtudes. Sinto muito, não sou cristão.
Não, também não convoquei o Sr. Erany à repartição. Ele provavelmente não me escutaria. Que adiantaria eu lhe dar uma aula sobre a injustiça das taxações em geral, e desta em particular? Ele acabaria por me irritar ainda mais, pedindo para falar pessoalmente com o chefe, insistindo, querendo apenas um pouquinho de esperança.
Não há um final feliz possível para esta história. Mesmo que a multa fosse perdoada, ele continuaria, pobre, desempregado e doente. Porque sofre de câncer no fígado, conforme os laudos que anexou. Sua vida deve ter sido toda vivida nesta mesma toada, é tarde para mudá-la. É véspera de Natal e eu só queria achar um lugar neste mundo onde o ser humano fosse um pouquinho menos hipócrita e eu pudesse destilar a minha raiva sem maiores constrangimentos.
Conto de Natal
O Sr. Erany informa que tem 67 anos, é aposentado e sustenta um filho epiléptico e uma mulher “com paralizia”. Nada disso é relevante para o processo em tela, mas ele, com aquela educação das pessoas humildes, acha que é necessário se apresentar e explicar minuciosamente sua história.
Tudo está informado em uma folha de papel almaço, com letra irregular e surpreendentemente legível, apesar de tremida. Aduziu que não encontra emprego, por causa da idade. Ganha R$ 260,00 de aposentadoria, o que mal deve dar para os remédios. Isso ele não revela, com aquele resto de pudor que ainda mantém.
Inicia nomeando o cargo da autoridade competente, precedido pelo indefectível Sr. Dr Fulano de Tal. O assunto é a sua inscrição em dívida ativa. A origem do débito é explicada com singeleza: para aumentar os seus proventos, montou uma barraquinha de ambulante, tudo legalizado, segundo ele. Mas assim não entendeu o fiscal municipal de postura, que lavrou o competente auto de infração. Ainda segundo ele, a multa o deixou “decepissionado”.
Não há dúvida de que o estilo é o homem. Logo à frente, pondera que a razão do não pagamento é “porque, talvez, ele não tinha dinheiro”. A frase é toda uma vida. Usa-se um eufemismo para não ofender tão alta autoridade com problemas tão prosaicos. Reconhece a obrigação de pagar e não cogita em argumentar que ela é injusta - todo o seu argumento é “ad misericordiam”.
O Sr. Erany é um daqueles homens bons, que acredita no poder de uma boa conversa, com jeitinho, sem forçar a barra. Até se excede um pouco, afirmando que, “com certeza”, o Doutor veio das classes humildes. Talvez isso fosse verdade no seu tempo, em que o filho da lavadeira começava como contínuo e ia galgando, degrau por degrau, a hierarquia do serviço público.
Os tempos agora são outros. A Carta Magna de 1988 acabou com os privilégios e decretou a igualdade de todos perante a lei. A nomeação para os cargos de carreira se faz através da aprovação em concurso público. Quero ver o filho da lavadeira, que estudou em escola pública, que escreve “paralizia” e “dessepicionado” chegar até aqui, onde eu cheguei.
Entretanto, o coitado persiste nesta crença e acha mesmo que a autoridade pode ser sensível ao seu apelo. Admitindo que o fosse, estaria cometendo crime de prevaricação se agisse contra a legislação em vigor, apesar do motivo humanitário. Tenho certeza que ele desconhece o que seja prevaricação.
Porque há o motivo. O Sr. Erany não mente. Sua exposição é uma peça inteira, consistente, uma aula de sociologia em uma única mísera lauda de papel almaço, meio amarelado. Acabo por admitir que no seu pedido há muito mais conteúdo do que no meu arrazoado. Esse meu estilo cartorial e pedante, cheio de polissílabos e de jargão jurídico, temperado com um latim macarrônico, acaba abafando as minhas convicções.
Em anexo, xerox da carteira de identidade e mais uma papelada: exames, atestados, etc. Já se acostumou a ter que provar que é ele mesmo, e que o que disse é verdade. Não perdi tempo olhando a sua foto.
Sou simpático à sua causa, não à sua figura. Ele me irrita com seus eufemismos, sua humildade, sua resignação. Indigno-me, por ele que não se indigna. Infelizmente, uma repartição pública é o lugar mais inadequado do mundo para indignações. Se o papel aceita o que se lançar nele, o papel dos processos é de um tipo especial, anti-séptico, apesar de ser freqüentado por ácaros, fungos e bactérias de todas as cepas. O chefe pode passar por alto um estilo não parlamentar, digamos assim, mas quer saber qual a motivação do despacho, o seu enquadramento legal. E é ele quem decide. Eu apenas emito um parecer, penso que acho alguma coisa, salvo melhor juízo.
É claro que indeferi de pleno o pedido, por carecer de embasamento legal. Não, não fiz nenhuma subscrição entre os colegas. O Sr. Erany que se vire para pagar a multa. Porque ele vai pagá-la, pobre não sabe sonegar e perde o sono se ficar devendo. Que seja às custas do remédio da mulher, ou do filho, pouco se me dá. A caridade não é uma das minhas virtudes. Sinto muito, não sou cristão.
Não, também não convoquei o Sr. Erany à repartição. Ele provavelmente não me escutaria. Que adiantaria eu lhe dar uma aula sobre a injustiça das taxações em geral, e desta em particular? Ele acabaria por me irritar ainda mais, pedindo para falar pessoalmente com o chefe, insistindo, querendo apenas um pouquinho de esperança.
Não há um final feliz possível para esta história. Mesmo que a multa fosse perdoada, ele continuaria, pobre, desempregado e doente. Porque sofre de câncer no fígado, conforme os laudos que anexou. Sua vida deve ter sido toda vivida nesta mesma toada, é tarde para mudá-la. É véspera de Natal e eu só queria achar um lugar neste mundo onde o ser humano fosse um pouquinho menos hipócrita e eu pudesse destilar a minha raiva sem maiores constrangimentos.
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
Os poetas de latrina
Antigamente os mictórios eram cobertos de poesia. Um tanto ou quanto escatológicas, influenciadas, talvez, pelo ambiente. Uma delas dizia:
òh que negro destino
Que triste sina
Ser poeta de latrina
Hoje li que o Deputado Protógenes vai propor uma CPI da Privataria. É uma bela jogada da base aliada. Vai tirar o foco das trapalhadas ministeriais. Se for para valer, será muito oportuna.
Há alguns problemas. Lula herdou boa parte da base aliada de FHC; será que este governo vai cortar na própria carne para extirpar os corruptos? Se ficar provado o dano ao dinheiro público e as irregularidades, este governo terá peito de reverter as privatizações? Os grandes grupos que foram beneficiados anteriormente, continuam sendo beneficiados pelo governo e são grandes contribuintes das campanhas. Será que a base aliada pode abrir mão desta grana e deste apoio?
Não sei porque, lembrei-me de uma destas frases de mictório que dizia: "Se és forte como um leão, arranque o que tens na mão!"
Ela é bem atual.
terça-feira, 6 de dezembro de 2011
Sobre ratos e homens
Em 1945, o PCB, recém legalizado, lançou a candidatura de Yedo Fiúza a presidência. No fundo, queria a volta de Getúlio. A palavra de ordem era: Constituinte com Getúlio. A tentação do populismo é antiga, como se vê. Há pouco tempo, o PC do B lançou a campanha por um terceiro mandato para Lula. O fato é que choveram denúncias em cima do candidato, que foi apelidado por seus adversários de Rato Fiúza.
Muito tempo depois, num reunião para divulgar a história do partido, Lincoln Oest, Membro do Comitê Central do PC do B, me contou uma anedota. Certo dirigente havia procurado um operário que estava sem contato para engajá-lo na campanha.
Em quem você vai votar? – perguntou.
E o operário, meio ressabiado, respondeu: - vou votar no Rato.
Nestes tempos em que se debate quem é o rato mais gordo e quem comeu mais queijo, é oportuno refletir sobre a relação entre ética e política. Com certeza, nós não vivemos num mundo ideal. Aristóteles já havia dito que o mundo sublunar é o mundo da corrupção. Não dá para fazer alianças só com quem pode apresentar um atestado de bons antecedentes.
Para mim, dois critérios são importantes: a aliança deve ser feita em cima de programas e não de cargos; é preciso manter a independência política em relação aos seus aliados. A raiz das dificuldades que o governo Dilma está enfrentado está na sua política de alianças. Quando se raciocina apenas em termos eleitorais, acaba-se aliando a setores conservadores e de direita.
A conseqüência é o loteamento do estado, para contemplar estes aliados e o rebaixamento de seu programa. Os movimentos populares se desmobilizam, ao verem que as bandeiras mais avançadas não passavam de bravatas de campanha. Abre-se o caminho para o peleguismo e a cooptação.
Por outro lado, o governo se torna refém destes aliados. E o que é pior, assim que começam as denúncias de corrupção, setores de esquerda se vêem no triste papel de botar a mão no fogo pelas ratazanas. Podem sair chamuscados. Neste momento, deveria prevalecer o princípio da independência: o ratinho que cair na ratoeira deve se virar sozinho.
Para não correr o risco de defenderem quem está guinchando com o pedaço de queijo na boca, setores de esquerda partem para desqualificar a imprensa que denuncia. É a lógica das campanhas eleitorais. Nelas, diariamente, cai um monte de denúncias sobre os candidatos e seus aliados. Quem usar o seu tempo se explicando, ficará na defensiva. Parte-se então para o fogo cruzado. Os seus corruptos são mais corruptos do que os meus! Chumbo trocado não dói.
Como não dá para passar quatro anos usando esta retórica, acenam com a ameaça de golpe. Todos contra a PIG - o partido da imprensa golpista. Uma coisa é certa: como nas campanhas eleitorais, ninguém está interessado na moralidade pública. Trata-se de uma disputa política. A pergunta que não quer calar é: vale a pena comprar esta briga? Será que não é este o momento de repensar o modelo de alianças?
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