Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.

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Divulgação literária e outros babados fortes

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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O Fantasma de Maliuta



Ogun Iye patakori! Salve Ogun, o cortador de cabeças! Grigóri Lukiánovich Skurátov-Biélski (Григо́рий Лукья́нович Скура́тов-Бе́льский), vulgo Maliuta Skurátov, está baixando.  Gricha é filho de Ogun e andou cortando umas cabeças, lá pelos idos de 1570.
A Wikipédia traz umas poucas linhas sobre Maliuta. Informa que ele desencarnou em 1573, assassinado, e que foi um dos líderes mais odiados da Opríchnina, durante o reinado de Ivan IV.
Este último foi imortalizado por Eisenstein, no filme Ivan o Terrível. Para combater os boiardos e a Igreja - as elites da época, o Tsar criou a Opríchina – um governo paralelo, com terras, orçamento e exércitos próprios. Maliuta fazia parte da tropa de choque, os oprichniks, a polícia secreta de  Ivan.
O Tsar, em nome da governabilidade, havia sido obrigado a fazer um acordo com a Igreja, comprometendo-se a não mais cortar cabeças dos nobres que conspiravam contra ele. Maliuta não seria mais do que um verbete esquecido na lata de lixo da história, se não fosse uma cena antológica do filme. Vendo que a oposição não deixava seu amo em paz, ele se ajoelha aos pés de Ivan e promete que vai ser o seu cãozinho fiel, o seu sabujo. Maliuta irá na frente, fazendo o trabalho sujo, cortando as cabeças, sem que seu dono precise saber.
Depois de desencarnado, o espírito de Maliuta evoluiu muito pouco. Ultimamente ele anda assombrando o mundo virtual. Antes do segundo turno, era evidente que Marina andava tirando votos da Dilma. Maliuta baixou e começaram a surgir matérias acusando a candidata de ser conivente com o esbulho do conhecimento de uma tribo indígena  sobre a biodiversidade. O vilão era a Natura, empresa do vice de Marina.
Antes, Maliuta já havia baixado do outro lado, produzindo uma série de acusações contra Dilma, que incluíam roubo, assassinato e outras coisinhas mais. A última de Maliuta foi na questão do aborto.
Maliuta é um espírito inferior e malicioso, que não quer que os outros evoluam. Por isso ele insiste na tese que há um bem maior, que os fins hão de justificar os meios, em suma, que é preciso que alguém faça o serviço sujo.
Tenho amigos que vão votar na Dilma e cujas opiniões políticas eu respeito. Eles me enviaram uma série de artigos reclamando dos cavalos de Maliuta. Meu voto é aberto: voto no Zé Maria no segundo turno. Enfim, sou mais ou menos isento para me posicionar sobre a questão do aborto.
Pessoalmente, sou a favor da descriminalização do aborto. Essa era a posição da Dilma, quando foi perguntada sobre o tema no debate da Folha. Em matéria religiosa, sou ateu desde criancinha. Acredito que Dilma também é. Desde que Fernando Henrique perdeu uma eleição para Jânio, depois de ter afirmado na televisão que não acreditava em Deus, não existem mais políticos ateus nesse país.
Alguns e-mails que recebi reclamam que a campanha virou guerra. É verdade. E a primeira vítima numa guerra é a verdade. Dilma reclama que estão retrocedendo 100 anos ao criar de novo uma questão religiosa. Não reclamou quando a rede Record do Bispo Macedo a apoiou. Reclama de boatos maliciosos. A declaração dela sobre a legalização do aborto foi pública. O PT reclama da Folha, que abasteceu a campanha contra as privatizações de FHC com uma cobertura exaustiva. Reclama da Rede Globo, que apoiou boa parte do governo Lula. Reclama das elites e da direita e exclui Sarney, Maluf, Collor e companhia dessa lista. Aponta como golpista qualquer tentativa de derrotar Dilma nas urnas. Enfim, reclama que Serra está fazendo campanha e que a direita que não apóia o PT continua sendo de direita. Desculpa de aleijado é bota ortopédica.
A Coréia do Norte é inimiga dos Estados Unidos. Bush a colocou no eixo do mal. Eles acabam de promover Kim Jong-un, o filho mais novo de Kim Jong-il, neto de Kim Il-sumg, a general. Ele é o continuador da dinastia Kim. Não há encosto de Maliuta que me faça defender o regime coreano. Aliás, dizem que ele é ótimo para emagrecer. Da mesma maneira, não vai ser a lógica “os inimigos de meus inimigos são meus amigos” que me fará apoiar Dilma.
Olhando de uma perspectiva histórica, até onde posso ver, não haverá mudança significativa na macroeconomia, qualquer que seja o eleito. Se quiserem me convencer do contrário, apontem as diferenças. Nenhum dos dois candidatos, até agora, falou o que espera do Brasil quando ele crescer. Não dá para comparar números do governo FHC com os do governo Lula, a não ser para efeitos propagandísticos. Infelizmente, a nossa economia está completamente atrelada às flutuações da economia mundial e essas são suficientes para explicar os números melhores de Lula.
Lula continuou a política de responsabilidade fiscal, aprofundou as reformas da previdência, não voltou atrás nas privatizações, continuou com os programas assistencialistas de FHC e manteve os rumos do política monetária do Banco Central. No plano político, manteve a essência da base aliada de FHC. Se olharmos para o mapa do primeiro turno, veremos uma reedição da eleição de Collor, com as cores trocadas. Serra está com os pés fincados no Sul e Sudeste e nos estados ligados ao agro-negócio. Lula está firme nos grotões, com destaque para o Piauí, feudo particular da família Sarney. Há flutuações regionais  que fogem a esse padrão, mas a conclusão é uma só: estamos de volta ao populismo e ao clientelismo.
A UNE, a CUT, os sindicatos, a parte organizada da sociedade tornou-se governista. A discussão crítica dentro do PT foi praticamente eliminada. O processo de escolha de Dilma foi coreano. O presidente em exercício nomeou seu sucessor ad referendum de seu partido. É interessante notar que a Polop, organização onde Dilma começou a sua militância, era uma das críticas mais ferrenhas do populismo de AP, a organização de José Serra. Valeria a pena relembrar as críticas do sociólogo Otávio Ianni, hoje esquecido. Ironicamente, a atual trajetória política de Dilma passa pelo  PDT, o herdeiro do Getulismo, até chegar ao Lulismo, sua mais nova vertente populista. Por fim, acaba de ressuscitar o fantasma do udenismo.
Admito que Getúlio, visto de uma perspectiva mais ampla, iniciou a modernização do país; admito que a UDN era extremamente reacionária; mas não me peçam para chamar mar de lama de mar de rosas, urubu de meu louro e legalização do aborto de defesa da vida. Hoje a candidata rezou em Aparecida. Ela afirmou que sua formação é católica e sua crença religiosa, questão de foro íntimo. O homem legenda não perdoou: “ainda bem que não esqueci como se faz o sinal da cruz”. Paris vale uma missa.


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