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quarta-feira, 21 de julho de 2010

Primeira Parte - último capítulo

Com esse capítulo terminamos a primeira parte de nosso livro sobre a guerrilha do Araguaia - A preparação. 

Capítulo 10 – A Academia Militar do Araguaia

Genoino, na entrevista que citamos anteriormente, afirma que a preparação militar compreendia três itens: a teórica, com a discussão das leis gerais da guerra de guerrilhas, a tática e a preparação individual. Para a primeira, utilizavam-se os clássicos do marxismo e duas obras: A retirada da Laguna, do Visconde de Taunay e Os sertões, de Euclides da Cunha. “Os oito pontos de atenção” e “As três principais regras de disciplina”, textos de Mao Tse-tung sobre o exército popular, serviram de base para definir as qualidades desejáveis do guerrilheiro. Em relação à tática, foi elaborado um manual de sobrevivência na mata, adaptado à região. Ele orientava sobre as frutas, a caça, como camuflar os rastos, como fazer fogo, etc.
Segundo Glênio:
“Nas nossas aulas teóricas aprendíamos tudo sobre a guerra regular e irregular, a relação entre os dois tipos, a guerra de guerrilhas, algumas experiências internacionais e nacionais, as contradições da tática anti-guerrilha, a moral dos combatentes, como criar um exército popular, guerra justa e guerra injusta... Algumas orientações deviam ser assimiladas por nós. Lembro-me de dez delas:
1; O homem é o principal numa guerra, não importando o seu tipo;
2. O aspecto político é o dirigente de qualquer luta;
3. A moral depende da causa que se defende;
4. Priorizar a guerra de guerrilhas como o método ideal de luta para nós (luta do fraco contra o forte);
5. Ser ao mesmo tempo político, trabalhador e militar;
6. Lealdade à causa, espírito coletivo, solidariedade, coragem e respeito aos bens, às mulheres e aos costumes do povo;
7. Domínio do cenário onde se desenvolve a luta;
8. A adaptação à vida local já é uma preparação;
9. Disciplina;
10. Indispensável apoio popular. [1]
Os guerrilheiros tinham vários métodos de orientação: a bússola, o Sol, as estrelas (o Cruzeiro do Sul). Além de um método geral, que era o de seguir os cursos de água, que sempre desembocam em outro maior.  A região começou a ser mapeada em meados de 70. Usando a bússola e calculando a distância por meio de passos, os guerrilheiros iam complementando os mapas oficiais do IBGE. As características do terreno, assim como os tipos de mata eram registradas. Os mapas ficavam com o responsável pelo grupo e eram guardados em tubos de bambu, para evitar que se dobrassem ou que se molhassem. A região que vai da Palestina até São Geraldo foi mapeada dessa forma.
Ainda segundo Genoino, a parte de preparação individual compreendia marchas na mata, camuflagem dos rastros, treinamento de assaltos, fustigamentos, etc. Cada um dos três grupos do destacamento B tinha sua área de atuação.
Foram previstas saídas de emergência para os diferentes tipos de ataque. Até dezembro de 72 era esperado que o destacamento concluísse sua preparação. Em relação aos serviços de saúde, foram ministrados os conhecimentos básicos de primeiros socorros: como enfaixar uma perna, como estancar uma hemorragia. Os guerrilheiros dominavam até técnicas rudimentares de extração de dentes.
Em seu documento “Grande acontecimento na vida do país e do PC do B”, escrito por Ângelo Arroyo, ele destaca entre os êxitos conseguidos no aspecto militar:
1. A ORGANIZAÇÃO DA FORÇA COMBATENTE. Conseguiram se estruturar três destacamentos e o comando geral. Isto não era tarefa fácil devido, de uma parte, à vigilância do inimigo e, de outra parte, ao material humano de que se dispunha, gente despreparada militarmente, com hábitos completamente diferentes dos que vigoram no interior...
2. ELABORAÇÃO DO CURSO DE PREPARAÇÃO MILITAR. Fazia-se necessário forjar uma orientação adequada ao terreno e às condições locais. Mesmo sem dispor de suficiente experiência e conhecimento, elaboraram-se seis aulas teóricas, sete aulas práticas e várias outras de treinamento diário que respondiam às necessidades da luta. As aulas teóricas eram as seguintes: o que é a guerra; a guerra popular, a guerra popular na região; a guerra de guerrilha; o combatente e seu moral; a força inimiga. As aulas práticas: orientação na mata; vida na mata; emboscada; assalto; fustigamento; marcha; acampamento. De treinamento diário: tiro, conhecimento das armas, rastejamento, emprego da baioneta, reflexos, ginástica, etc. Esse curso representou um verdadeiro salto na preparação dos combatentes. Infelizmente, só se conseguiu aprontá-lo quase no final do período anterior a luta. Assim mesmo, ajudou bastante. ”
Em relação ao armamento, o relatório Arroyo fornece uma relação precisa do que dispunha cada destacamento quando se iniciou a luta.
“... As armas com que se contava eram precárias. O destacamento A tinha quatro fuzis, quatro rifles 44, uma metralhadora fabricada lá mesmo, uma metralhadora INA, seis espingardas 20 e duas carabinas 22; o destacamento B tinha um fuzil, uma submetralhadora Royal, seis rifles 44, uma metralhadora fabricada lá mesmo, uma espingarda16 de dois canos, uma espingarda 16 de um cano só, seis espingardas 20, uma espingarda 36 e duas carabinas 22; no C havia quatro fuzis, alguns rifles 44, espingardas 20 e carabinas 22; na CM havia duas espingardas 20. A maior parte dessas armas era antiga e apresentava defeitos. Todos os combatentes tinham revólveres 38, com mais de 40 balas cada.” Grifos nossos.
Genoino complementa essa informação: “As nossas armas foram conseguidas na região, espingarda 12, 16, 20, 36 -, revólver 32, alguns 44. Nada conseguido fora. Algumas coisas compramos no comércio de Xambioá e Marabá, outras a gente trocava. Chegamos a enterrar armas, colocar dentro de troncos de árvores. Deixei farinha ficar um ano e depois ela tava boa. Cada um tinha uma técnica e um local desconhecido pelos outros.”
Em um depoimento, João Amazonas dá uma informação surpreendente: “Lembro que houve um levante de sargentos em Brasília e, no final, nós conseguimos pegar alguns fuzis (seis ou oito) para a guerrilha. Eles eram uma porcaria, altos como o diabo, encostavam em tudo o que é coisa, pesados para caramba...”
Glênio informa que as mochilas que cada guerrilheiro carregavam continham “uma muda de roupa forte e nova; uma rede nova; um plástico para proteger-nos da chuva; farinha, sal; solado de bota; isqueiro, munição para arma longa e curta; pilhas e remédio para malária. A tiracolo levávamos um bornal contendo mais munição, fósforos, lanterna, prato, colher, cordas de naylon e alguns outros objetos de uso pessoal. [2]
Finalmente, deve-se mencionar os depósitos de alimentos e medicamentos, localizados na mata. Cada destacamento tinha seu sistema clandestino de depósitos. Eram utilizados tocos de árvores e buracos. Uma técnica era cavar um buraco, forrar com pedras o fundo e depois colocar  latas untadas com óleo queimado, para evitar a corrosão. Outra técnica era cavar um buraco na vertical e um túnel perpendicular a ele, onde se colocavam os víveres, como forma de se evitar o alagamento pelas chuvas.



[1] Araguaia – relato de um guerrilheiro, p. 11
[2] Araguaia – relato de um guerrilheiro, p. 15

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