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terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Terceiro Capítulo - última parte

Depois de um descanso um pouco forçado, voltamos a publicar os capítulos de nosso livro sobre a Guerrilha do Araguaia.

Os outros destacamentos
A implantação dos Destacamentos A e C seguiu o mesmo esquema do Destacamento B, com uma diferença: ambos tiveram que deslocar os seus pontos de apoio iniciais, devido a problemas de segurança. Analisando-se a formação dos três, é fácil se convencer de que a ordem alfabética reflete a prioridade a eles atribuída. O A foi estruturado: em primeiro lugar, depois o B e finalmente o C. O Destacamento A possuía um armeiro, uma oficina e as melhores armas. Era o principal apoio da Comissão Militar.
Criméia Alice Schmidt de Almeida (Alice), uma das poucas sobreviventes da guerrilha, é uma fonte valiosa. Ela chegou ao Araguaia em 69 e participou da primeira campanha. Em 72 saiu da região para contatar o Partido, tendo sido presa em São Paulo. Sua impressão é de que para os destacamentos A e C iam os quadros com características mais urbanas.
Em dezembro de 67, chegaram à Faveira: Maurício Grabois, Joca e Elza Monnerat. O local ficava às margens do Araguaia, distante uns 60 km de São João do Araguaia. Ali eles montaram uma bodega e fizeram roça. Moravam numa casa de pau-a-pique com telhas, um luxo para a região. Joca comprou um castanhal onde trabalhavam os recém chegados, apresentados como parentes.
A identidade de Joca foi um mistério para os militares durante muito tempo, pois ele usava a identidade de João Bispo Ferreira da Silva. Nascido na Itália, veio para o Brasil onde fez o curso de torneiro mecânico. Trabalhava como metalúrgico no Rio e foi obrigado a entrar para a clandestinidade com o golpe de 64. Antes de ir para o Araguaia, morou em Rondonópolis (MT), onde teve uma oficina com Daniel Callado [Doca][1].

A bodega centralizava várias atividades sociais, dentre elas a vinda periódica de um padre para realizar batizados e casamentos. Com a chegada de novos militantes, construiu-se uma moradia na Paxiba, próximo de onde mais tarde seria a Transamazônica. Depois da Paxiba, montou-se um pequeno comércio, no caminho que ia para São Domingos.
A Transamazônica começou a ser construída em fins de 70. Para não ficarem espremidos entre a estrada e o Rio Araguaia, vias muito favoráveis à locomoção de tropas do exército, o Destacamento A se deslocou para o sul. As terras da Faveira foram vendidas para Eduardo Rodrigues Brito e, todo fim de mês, Joca ia até lá acertar as contas e receber mais parentes. [2]
A razão principal desse deslocamento foi a notícia da fuga de Pedro do Destacamento C, em meados de 71. Os futuros guerrilheiros ficaram em alerta e mudaram alguns hábitos, embora continuassem morando em suas casas e exercendo suas atividades. Em 70, o destacamento já contava com grande parte de seus combatentes. Em 71, os efetivos previstos estavam praticamente completos.
Antes se iniciarem os combates, os grupos não estavam rigidamente definidos. Havia três pontos de apoio (PA) fixos, que correspondiam aos três grupos de sete guerrilheiros previstos, embora alguns militantes tenham ido de um PA para outro. Um PA ficava próximo a um lugarejo chamado Metade, outro em um local conhecido como Chega com Jeito. Por último, foi construída uma casa entre esses dois PA, para onde foram os militantes que continuavam morando na Faveira. Chega com Jeito tinha um PAzinho, um barraco no meio da roça. Era costume entre os camponeses locais erguerem esse tipo de construção nas suas plantações.
Para guardar as mochilas e outros pertences que não eram comuns na região, eram usados depósitos camuflados, no meio da mata. Podia-se utilizar, por exemplo, uma árvore oca, comida por cupim. Internamente faziam-se várias prateleiras e a entrada era protegida com lona. O tronco era tapado com barro.
Em Chega com Jeito moraram: Criméia Alice (Alice), Custódio Saraiva Neto (Lauro), Divino Ferreira de Souza (Nunes, Goiano), João Gualberto Calatroni Zebão, Lúcia Maria de Souza (Sõnia), Marcos José de Lima, Ari Armeiro, Orlando Momente (Landim) e Rodolfo de Carvalho Troiano (Manoel do A). Lauro, Zebão e Rodolfo ficavam no PAzinho e Landim foi para o novo local. Colocamos entre parênteses o nome usado no Relatório Arroyo e em itálico o que nós adotaremos.
Em Metade moraram: Antônio Ferreira Pinto (Antônio Alfaiate), Danilo Carneiro (Nilo), Demerval da Silva Pereira (João Araguaia), Helenira Resende (Preta, Fátima),Jana Moroni Barroso (Cristina), Luiz René (Duda),Nelson Lima (Nelito), Maria Célia Corrêa (Rosinha) e  Hélio Luiz Navarro (Edinho). Danilo saiu da região assim que começou a luta e Rosinha e Edinho foram para o novo PA.
O Destacamento C se localizou numa região conhecida como Caianos, devido ao nome de um igarapé. Em 68, chegaram Paulo Mendes Rodrigues (Paulo) e Amaro Lins. O primeiro comprou duas fazendas na região, uma em Boa Vista[3] e outra em Cachimbeiro. Amaro se apaixonou por uma moradora da região. Por decisão do partido, teve que optar entre casar-se ou continuar na guerrilha. Escolheu o casamento, permaneceu na área e continuou ajudando o PC do B, embora sem nele militar.
Em 70, o Dr. Juca abriu uma farmácia em uma ilha, num lugarejo próximo ao Igarapé Perdidos. Ele morava na fazenda de Paulo. Nesse mesmo ano, chegaram Bérgson (Jorge), o velho Francisco Chaves (Velho Chico), Dinalva (Dina) e seu marido Antônio (Antônio da Dina). Dina e o marido abriram um comércio perto do Rio Araguaia e passaram a ser recepcionistas dos outros combatentes.
Em fevereiro de 71, chegaram Pedro Albuquerque e sua mulher Teresa (Ana), que ficaram num PA na região do Igarapé Cigana. Áurea (Elisa) e Arildo (Ari), um casal, ficou morando com Paulo. Ela abriu uma escola em Boa Vista e Ari trabalhava como dentista. Outro ponto de apoio se localizava no lugarejo de Pau Preto.
Em meados de 71, Pedro e Teresa abandonaram a área. Pedro contatou o Partido e assegurou que iria manter sigilo sobre a operação. Ele passou a viver em casas de amigos até o início de 72, quando foi preso ao tentar tirar a segunda via da carteira de identidade. Em virtude desses problemas de segurança, já em 71, foram criados novos PA em Mutum, Abóbora e Esperancinha, cada vez mais ao norte. Como resultado dos deslocamentos dos Destacamentos A e C, eles se aproximam do Destacamento B, encurtando cada vez mais a distância inicial entre os três.
Os últimos militantes do destacamento C chegaram em 72, dois deles depois de iniciada a luta. Era o destacamento mais despreparado, com pouco conhecimento do terreno, militantes novos no partido e atuava numa área com densidade populacional maior. O exército, inicialmente, concentrou suas ações nessa área. Durante a primeira campanha, quase todas baixas foram do Destacamento C.
Os membros da Comissão Militar (CM) se deslocavam com freqüência e sabiam como contatar os destacamentos.  Esses, por sua vez, também tinham um sistema de comunicação. Em caso de emergência, o Destacamento A e o B fariam contato, assim como o Destacamento B e o C. Quando o exército atacou, o A avisou o B que foi avisar o C.
Cada destacamento possuía um estafeta, que sabia como localizar o outro destacamento. Divino era o estafeta do Destacamento A, encarregado de contatar o B. Deste, o único que sabia localizar o Destacamento A era Osvaldão. Havia um sistema de pontos (locais previamente escolhidos para um encontro), como nas cidades, em dias determinados do mês. Segundo o Prof. Romualdo Pessoa, a Comissão Militar se estabeleceu acima da aldeia dos índios Suruí, próximo ao povoado de Metade, antes de São Domingos.
Para se cobrirem grandes distâncias, era usado um sistema semelhante ao dos incas: cada mensageiro cobria um trecho, ao fim do qual entregava a mensagem a outro, e assim por diante, até o destinatário final..
O termo Ponto de Apoio reflete a dubiedade que esteve presente na preparação da guerrilha. O documento “Guerra Popular” assinala que:
“A guerrilha sobreviverá se tiver o apoio das massas e grande mobilidade para impedir o cerco. Deve saber ocultar-se, cortar contato com o inimigo e romper o cerco quando isto acontecer. Terá que contar com refúgios seguros.” Grifos nossos.
Toda a preparação dos destacamentos indica que os PA eram vistos como locais seguros. Os guerrilheiros moravam em barracos rústicos, sem divisões, que eram ao mesmo tempo sala, cozinha e quarto de dormir. Ali se preparavam as refeições e se penduravam as redes. O equipamento militar individual: remédios, mapas, bússola, lona para se proteger da chuva, etc., ficava numa mochila. Essas mochilas eram guardadas fora dos barracos, em um depósito, porque os moradores não usavam esse tipo de equipamento. Nesse depósito, mais ou menos camuflado, ficavam armas, munições, mantimentos, oficinas, medicamentos, etc. Segundo o exército, até mesmo pistas de obstáculos para treinamento foram encontradas perto dos PA. O sistema de alarme era um cipó atravessado na trilha e amarrado a um guerrilheiro, que ficava de sentinela em uma rede.
Por outro lado, essa segurança ficava seriamente comprometida pela necessidade de se assegurar do apoio da massa. Os guerrilheiros procuravam se integrar plenamente na vida dos camponeses, visitando e sendo visitados.  Quando o exército atacou, todos os PA foram rapidamente localizados e destruídos, a exceção de alguns que ficavam na área do destacamento B, sobre o qual os militares ainda não possuíam informações. As plantações foram queimadas e grande parte do material foi perdida. Interrogando a população, os agentes dos serviços de informação conseguiram levantar rapidamente a pista dos guerrilheiros.
Não houve como conciliar a necessidade de um longo e paciente trabalho de massas com a preparação para as ações militares, que tudo indicava que eram iminentes. Certamente os guerrilheiros esperavam que as ações se desenrolassem fora das áreas dos PA e contavam que teriam tempo para transportar os equipamentos para locais mais seguros. Essa suposição é reforçada pelo depoimento de Criméia: “Contra quem nós iríamos agir nesses locais [os PA]? O inimigo não estava ali.” Outra dedução que nos parece lógica é que os guerrilheiros contavam escolher o local e a época em que as ações armadas começariam.
Cada destacamento havia preparado uma área de refúgio. No caso do A, era uma área com água, bem isolada, sem acesso por estradas ou picadas. Os depósitos de mantimentos, armas e medicamentos ficavam nas proximidades. Para os três destacamentos, a saída natural da região, que não chegou a ser utilizada, seria na direção do Xingu. Era uma opção difícil, por se tratar de um território pouco mapeado, onde a bússola não funcionava. Criméia conta que, talvez devido à presença de grandes jazidas de ferro, a agulha apontava para cima e ficava presa ao vidro.
Dentre as condições apontadas para a sobrevivência da guerrilha, não houve nem mobilidade, nem os refúgios seguros. O apoio de massas, principalmente após a segunda campanha, foi grande, embora não pesasse no plano militar. As áreas de refúgio, embora servissem de esconderijo durante um certo tempo, foram insuficientes quando o inimigo passou a entrar na mata. Finalmente, a maneira mais indicada de se romper um eventual cerco e preservar as forças, nunca foi estudada a fundo.








[1] Operação Araguaia, p. 574.
[2] Operação Araguaia, p. 63.
[3] Caiano era o nome que Paulo deu ao povoado, devido ao Igarapé próximo. Os militares o rebatizaram de Boa Vista.

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