Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.

Consulte o dicionário do cinismo, no rodapé do blog.

Divulgação literária e outros babados fortes

Versos cretinos, crônicas escrotas e contos requentados. O resto é pura prosa.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Gatos

Folclore do Japão (O Gato Assombrado de Nabeshima)

" As folhas de momiji (acer), que da cor verde passaram para o amarelo e depois para o laranja, agora ganhavam uma cor vermelho vivo. Não só as árvores como o chão, forrado de folhas caídas, davam a impressão de que todo o jardim do castelo de Nabeshima havia pegado fogo. Era final de outono no Japão.

O príncipe de Hizen, um membro da família honrada de Nabeshima, tinha como sua concubina favorita uma mulher charmosa, cujo nome era Otoyo. Certa ocasião, os amantes passeavam no jardim do castelo e permaneceram apreciando as flores até o pôr-do-sol. No retorno, sem que eles percebessem, foram seguidos por um enorme gato negro.

Otoyo dirigiu-se para o seu quarto e sentiu uma inesperada indisposição. Tentou manter-se acordada, mas logo dormiu. À meia-noite, foi despertada por uma estranha sensação e viu dois olhos enormes que a fixavam brilhando na escuridão. Prestando bastante atenção, percebeu que se tratava de um enorme gato negro. Porém, antes que ela pudesse gritar pedindo ajuda, o animal saltou em sua garganta e mordeu-a profundamente, estraçalhando seu pescoço até a morte. O gato, então, foi lambendo o sangue da moça e adquirindo forma humana, ficando igual a sua vítima. Então, arrastou Otoyo para baixo do assoalho e enterrou o corpo sob a varanda.

O príncipe, que de nada sabia, não desconfiou nem um pouco da bela mulher que naquela noite o procurou para fazer amor. Assim, nos dias seguintes, como um ritual, ela o procurava no meio da noite e ia sugando seu sangue sem que a vítima percebesse. Em poucos dias, o príncipe de Hizen perdeu toda a força e seu rosto estava mais pálido que uma vela. Permanecia o dia todo deitado, pois já não tinha força para se levantar.

Os médicos do palácio prescreveram vários medicamentos, mas nenhum fez o efeito desejado. Suspeitaram então que alguém estava envenenando o príncipe.

Vários samurais montaram guarda ao redor de seu quarto. Porém, quando chegou o meio da noite, todos pegaram no sono e só acordaram na manhã seguinte. Nas noites que se seguiram, as mesmas coisas aconteceram. Nenhum soldado conseguia ficar acordado.

Os conselheiros concluíram que alguma força estranha, de poder sobrenatural, estava agindo naquela alcova. Chamaram monges budistas e sacerdotes xintoístas para fazer exorcismo no quarto, já que a saúde do príncipe ia piorando dia a dia. Foram semanas de orações e rituais diversos, mas de nada adiantou, a saúde do príncipe de Hizen ia de mal a pior.

Naquela ocasião, um samurai de nome Ito Soda, que serviu na infantaria de Nabeshima, atravessou o jardim de inverno e invadiu as proximidades do quarto do príncipe. Ele solicitou aos conselheiros que permitissem a ele permanecer escondido no quarto do enfermo, para desvendar como agia o espírito maligno que estava prejudicando seu senhor.

Seu pedido foi prontamente aceito, já que todas as tentativas tinham se mostrado infrutíferas. Ito ficou firme em seu posto, no entanto, como aconteceu com os guardas que o antecederam, a partir das dez horas, começou a sentir um sono irresistível. Para espantar seu sono, espetou sua faca profundamente em sua coxa, de modo que a dor aguda o mantivesse acordado.

De repente, as portas deslizantes do quarto do príncipe abriram-se, e uma linda mulher entrou e dirigiu-se ao leito. Ela agachou na cabeceira do príncipe e esticou o pescoço como quem vai beijar o adormecido. Porém, a mulher, pressentindo a presença de mais alguém no quarto, virou a cabeça e, com olhos brilhantes, disse:

– Tem alguém aí?

Ito permaneceu escondido e em silêncio, espiando pela fresta da porta do quarto ao lado. Percebendo que alguém a observava, ela levantou e saiu do quarto às pressas.

Na noite seguinte, a cena se repetiu. Assim, por não ter sido subjugado por duas noites seguidas enquanto dormia, a saúde do príncipe melhorou consideravelmente. Para Ito Soda, ficou claro que Otoyo era alguma entidade maligna tentando acabar com a vida do príncipe de Hizen. Diante disso, traçou um plano para acabar com ela.

Fingindo ser um mensageiro do príncipe, foi até o quarto dela, para entregar um bilhete que sua alteza lhe enviara. Ao aproximar-se da falsa Otoyo para entregar o suposto bilhete, Ito sacou da espada e desferiu um golpe na direção dela. Porém, com percepção felina, ela esquivou-se da lâmina pulando para trás. Na seqüência, assumiu a forma de um gato preto e saltou pela janela. Ganhou o telhado do castelo e, segundos depois, fugia em direção à montanha.

Esse gato que gostava de lamber sangue humano passou a incomodar os habitantes da montanha. Tempos depois, o príncipe de Hizen, completamente recuperado, organizou uma caçada ao gato maldito de Nabeshima. Um exército com milhares de samurais vasculhou a montanha. Somente no oitavo dia, finalmente, o gato maldito foi liquidado e a paz voltou à região."
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Comentário:
Os primeiros gatos foram introduzidos no Japão por Fujiwara-no-Sanesuke, um nobre da corte do imperador Ichijo (987–1011). Trazidos da China, esses animais de estimação eram vistos com reserva pelos japoneses. Além de não serem obedientes como os cachorros, eram considerados destrutivos por natureza, por rasgarem tatami de palhas (tablado que servia de assoalho) e fazerem furos no shoji (parede de papel) para apanhar insetos que vinham as casas atraídos pelas lamparinas. Na época, a iluminação das casas era à base de lamparina a óleo, e os gatos gostavam de lamber esse óleo combustível, muitas vezes causando incêndio.

Assim como a raposa, o texugo e a serpente, o gato era considerado um animal assombrado no antigo Japão.

Fonte:
http://www.nippobrasil.com.br/

Essa lenda foi enviada por uma grande amiga, Clevane Pessoa, retirada do blog Singrando Horizontes. O nosso blog, além de gostar muito de gatos, não tem nada contra o texugo e a serpente...

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Terceiro Capítulo - última parte

Depois de um descanso um pouco forçado, voltamos a publicar os capítulos de nosso livro sobre a Guerrilha do Araguaia.

Os outros destacamentos
A implantação dos Destacamentos A e C seguiu o mesmo esquema do Destacamento B, com uma diferença: ambos tiveram que deslocar os seus pontos de apoio iniciais, devido a problemas de segurança. Analisando-se a formação dos três, é fácil se convencer de que a ordem alfabética reflete a prioridade a eles atribuída. O A foi estruturado: em primeiro lugar, depois o B e finalmente o C. O Destacamento A possuía um armeiro, uma oficina e as melhores armas. Era o principal apoio da Comissão Militar.
Criméia Alice Schmidt de Almeida (Alice), uma das poucas sobreviventes da guerrilha, é uma fonte valiosa. Ela chegou ao Araguaia em 69 e participou da primeira campanha. Em 72 saiu da região para contatar o Partido, tendo sido presa em São Paulo. Sua impressão é de que para os destacamentos A e C iam os quadros com características mais urbanas.
Em dezembro de 67, chegaram à Faveira: Maurício Grabois, Joca e Elza Monnerat. O local ficava às margens do Araguaia, distante uns 60 km de São João do Araguaia. Ali eles montaram uma bodega e fizeram roça. Moravam numa casa de pau-a-pique com telhas, um luxo para a região. Joca comprou um castanhal onde trabalhavam os recém chegados, apresentados como parentes.
A identidade de Joca foi um mistério para os militares durante muito tempo, pois ele usava a identidade de João Bispo Ferreira da Silva. Nascido na Itália, veio para o Brasil onde fez o curso de torneiro mecânico. Trabalhava como metalúrgico no Rio e foi obrigado a entrar para a clandestinidade com o golpe de 64. Antes de ir para o Araguaia, morou em Rondonópolis (MT), onde teve uma oficina com Daniel Callado [Doca][1].

A bodega centralizava várias atividades sociais, dentre elas a vinda periódica de um padre para realizar batizados e casamentos. Com a chegada de novos militantes, construiu-se uma moradia na Paxiba, próximo de onde mais tarde seria a Transamazônica. Depois da Paxiba, montou-se um pequeno comércio, no caminho que ia para São Domingos.
A Transamazônica começou a ser construída em fins de 70. Para não ficarem espremidos entre a estrada e o Rio Araguaia, vias muito favoráveis à locomoção de tropas do exército, o Destacamento A se deslocou para o sul. As terras da Faveira foram vendidas para Eduardo Rodrigues Brito e, todo fim de mês, Joca ia até lá acertar as contas e receber mais parentes. [2]
A razão principal desse deslocamento foi a notícia da fuga de Pedro do Destacamento C, em meados de 71. Os futuros guerrilheiros ficaram em alerta e mudaram alguns hábitos, embora continuassem morando em suas casas e exercendo suas atividades. Em 70, o destacamento já contava com grande parte de seus combatentes. Em 71, os efetivos previstos estavam praticamente completos.
Antes se iniciarem os combates, os grupos não estavam rigidamente definidos. Havia três pontos de apoio (PA) fixos, que correspondiam aos três grupos de sete guerrilheiros previstos, embora alguns militantes tenham ido de um PA para outro. Um PA ficava próximo a um lugarejo chamado Metade, outro em um local conhecido como Chega com Jeito. Por último, foi construída uma casa entre esses dois PA, para onde foram os militantes que continuavam morando na Faveira. Chega com Jeito tinha um PAzinho, um barraco no meio da roça. Era costume entre os camponeses locais erguerem esse tipo de construção nas suas plantações.
Para guardar as mochilas e outros pertences que não eram comuns na região, eram usados depósitos camuflados, no meio da mata. Podia-se utilizar, por exemplo, uma árvore oca, comida por cupim. Internamente faziam-se várias prateleiras e a entrada era protegida com lona. O tronco era tapado com barro.
Em Chega com Jeito moraram: Criméia Alice (Alice), Custódio Saraiva Neto (Lauro), Divino Ferreira de Souza (Nunes, Goiano), João Gualberto Calatroni Zebão, Lúcia Maria de Souza (Sõnia), Marcos José de Lima, Ari Armeiro, Orlando Momente (Landim) e Rodolfo de Carvalho Troiano (Manoel do A). Lauro, Zebão e Rodolfo ficavam no PAzinho e Landim foi para o novo local. Colocamos entre parênteses o nome usado no Relatório Arroyo e em itálico o que nós adotaremos.
Em Metade moraram: Antônio Ferreira Pinto (Antônio Alfaiate), Danilo Carneiro (Nilo), Demerval da Silva Pereira (João Araguaia), Helenira Resende (Preta, Fátima),Jana Moroni Barroso (Cristina), Luiz René (Duda),Nelson Lima (Nelito), Maria Célia Corrêa (Rosinha) e  Hélio Luiz Navarro (Edinho). Danilo saiu da região assim que começou a luta e Rosinha e Edinho foram para o novo PA.
O Destacamento C se localizou numa região conhecida como Caianos, devido ao nome de um igarapé. Em 68, chegaram Paulo Mendes Rodrigues (Paulo) e Amaro Lins. O primeiro comprou duas fazendas na região, uma em Boa Vista[3] e outra em Cachimbeiro. Amaro se apaixonou por uma moradora da região. Por decisão do partido, teve que optar entre casar-se ou continuar na guerrilha. Escolheu o casamento, permaneceu na área e continuou ajudando o PC do B, embora sem nele militar.
Em 70, o Dr. Juca abriu uma farmácia em uma ilha, num lugarejo próximo ao Igarapé Perdidos. Ele morava na fazenda de Paulo. Nesse mesmo ano, chegaram Bérgson (Jorge), o velho Francisco Chaves (Velho Chico), Dinalva (Dina) e seu marido Antônio (Antônio da Dina). Dina e o marido abriram um comércio perto do Rio Araguaia e passaram a ser recepcionistas dos outros combatentes.
Em fevereiro de 71, chegaram Pedro Albuquerque e sua mulher Teresa (Ana), que ficaram num PA na região do Igarapé Cigana. Áurea (Elisa) e Arildo (Ari), um casal, ficou morando com Paulo. Ela abriu uma escola em Boa Vista e Ari trabalhava como dentista. Outro ponto de apoio se localizava no lugarejo de Pau Preto.
Em meados de 71, Pedro e Teresa abandonaram a área. Pedro contatou o Partido e assegurou que iria manter sigilo sobre a operação. Ele passou a viver em casas de amigos até o início de 72, quando foi preso ao tentar tirar a segunda via da carteira de identidade. Em virtude desses problemas de segurança, já em 71, foram criados novos PA em Mutum, Abóbora e Esperancinha, cada vez mais ao norte. Como resultado dos deslocamentos dos Destacamentos A e C, eles se aproximam do Destacamento B, encurtando cada vez mais a distância inicial entre os três.
Os últimos militantes do destacamento C chegaram em 72, dois deles depois de iniciada a luta. Era o destacamento mais despreparado, com pouco conhecimento do terreno, militantes novos no partido e atuava numa área com densidade populacional maior. O exército, inicialmente, concentrou suas ações nessa área. Durante a primeira campanha, quase todas baixas foram do Destacamento C.
Os membros da Comissão Militar (CM) se deslocavam com freqüência e sabiam como contatar os destacamentos.  Esses, por sua vez, também tinham um sistema de comunicação. Em caso de emergência, o Destacamento A e o B fariam contato, assim como o Destacamento B e o C. Quando o exército atacou, o A avisou o B que foi avisar o C.
Cada destacamento possuía um estafeta, que sabia como localizar o outro destacamento. Divino era o estafeta do Destacamento A, encarregado de contatar o B. Deste, o único que sabia localizar o Destacamento A era Osvaldão. Havia um sistema de pontos (locais previamente escolhidos para um encontro), como nas cidades, em dias determinados do mês. Segundo o Prof. Romualdo Pessoa, a Comissão Militar se estabeleceu acima da aldeia dos índios Suruí, próximo ao povoado de Metade, antes de São Domingos.
Para se cobrirem grandes distâncias, era usado um sistema semelhante ao dos incas: cada mensageiro cobria um trecho, ao fim do qual entregava a mensagem a outro, e assim por diante, até o destinatário final..
O termo Ponto de Apoio reflete a dubiedade que esteve presente na preparação da guerrilha. O documento “Guerra Popular” assinala que:
“A guerrilha sobreviverá se tiver o apoio das massas e grande mobilidade para impedir o cerco. Deve saber ocultar-se, cortar contato com o inimigo e romper o cerco quando isto acontecer. Terá que contar com refúgios seguros.” Grifos nossos.
Toda a preparação dos destacamentos indica que os PA eram vistos como locais seguros. Os guerrilheiros moravam em barracos rústicos, sem divisões, que eram ao mesmo tempo sala, cozinha e quarto de dormir. Ali se preparavam as refeições e se penduravam as redes. O equipamento militar individual: remédios, mapas, bússola, lona para se proteger da chuva, etc., ficava numa mochila. Essas mochilas eram guardadas fora dos barracos, em um depósito, porque os moradores não usavam esse tipo de equipamento. Nesse depósito, mais ou menos camuflado, ficavam armas, munições, mantimentos, oficinas, medicamentos, etc. Segundo o exército, até mesmo pistas de obstáculos para treinamento foram encontradas perto dos PA. O sistema de alarme era um cipó atravessado na trilha e amarrado a um guerrilheiro, que ficava de sentinela em uma rede.
Por outro lado, essa segurança ficava seriamente comprometida pela necessidade de se assegurar do apoio da massa. Os guerrilheiros procuravam se integrar plenamente na vida dos camponeses, visitando e sendo visitados.  Quando o exército atacou, todos os PA foram rapidamente localizados e destruídos, a exceção de alguns que ficavam na área do destacamento B, sobre o qual os militares ainda não possuíam informações. As plantações foram queimadas e grande parte do material foi perdida. Interrogando a população, os agentes dos serviços de informação conseguiram levantar rapidamente a pista dos guerrilheiros.
Não houve como conciliar a necessidade de um longo e paciente trabalho de massas com a preparação para as ações militares, que tudo indicava que eram iminentes. Certamente os guerrilheiros esperavam que as ações se desenrolassem fora das áreas dos PA e contavam que teriam tempo para transportar os equipamentos para locais mais seguros. Essa suposição é reforçada pelo depoimento de Criméia: “Contra quem nós iríamos agir nesses locais [os PA]? O inimigo não estava ali.” Outra dedução que nos parece lógica é que os guerrilheiros contavam escolher o local e a época em que as ações armadas começariam.
Cada destacamento havia preparado uma área de refúgio. No caso do A, era uma área com água, bem isolada, sem acesso por estradas ou picadas. Os depósitos de mantimentos, armas e medicamentos ficavam nas proximidades. Para os três destacamentos, a saída natural da região, que não chegou a ser utilizada, seria na direção do Xingu. Era uma opção difícil, por se tratar de um território pouco mapeado, onde a bússola não funcionava. Criméia conta que, talvez devido à presença de grandes jazidas de ferro, a agulha apontava para cima e ficava presa ao vidro.
Dentre as condições apontadas para a sobrevivência da guerrilha, não houve nem mobilidade, nem os refúgios seguros. O apoio de massas, principalmente após a segunda campanha, foi grande, embora não pesasse no plano militar. As áreas de refúgio, embora servissem de esconderijo durante um certo tempo, foram insuficientes quando o inimigo passou a entrar na mata. Finalmente, a maneira mais indicada de se romper um eventual cerco e preservar as forças, nunca foi estudada a fundo.








[1] Operação Araguaia, p. 574.
[2] Operação Araguaia, p. 63.
[3] Caiano era o nome que Paulo deu ao povoado, devido ao Igarapé próximo. Os militares o rebatizaram de Boa Vista.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Carnaval

Três anos atrás, fiz uma poesia que falava de carnaval, desastres rodoviários e guerra do Iraque.

O carnaval na tevê

Uma sambista tradicional foi barrada, porque não queria desfilar pelada.
Uma famosa desconhecida também – porque só queria desfilar nua.
Os traficantes pagaram hora extra para os seus funcionários. Eles garantiram que não há risco de desabastecimento.
Em Cuba, o Comandante insiste em não botar o bloco na rua.
No Rio, morreu mais um sambista imortal, em pleno esquecimento.
O PCC comunicou que a folia está permitida e deu folga pra polícia.
A milícia também parou, já que é paramilitar.
As policias federais, estaduais e municipais só autorizaram um número de mortes menor do que o do ano anterior.
O governo garantiu que os aviões sairiam da pista com o atraso regulamentar.
Eu vi toda a Bahia na tevê, menos um baiano, que preferiu ficar anônimo.
Os nobres parlamentares foram descansar. Afinal, ninguém é de ferro.
Uma bichinha ganhou o prêmio de originalidade no desfile do Municipal. Vestia a sua tradicional fantasia.
Esse ano não foi igual àquele que passou. A nova tevê é LCD, 32 polegadas.


Balanço do carnaval em Minas

Setecentas léguas de engarrafamento
Trinta vítimas fatais. Em Bagdá
Porque aqui foram mais
E mais se esperam, a qualquer momento

No meio de tanta gente
Duzentos e cinqüenta e nove cabaços
Voaram felizes para o espaço
Trinta e sete estupros, infelizmente
Também, no meio de tanta gente

Noventa e quatro novos casos de Aids
Oitenta e um fetos indesejados
No meio de tantos desejos,
No meio de tantos afetos
Evoé baco! No paraíso
Uma serpentina enlaçou Adão

Mil trezentos e trinta e seis poetas
Tristes e embriagados
Cantaram em versos de pé quebrado
As mulatas analfabetas e as mocinhas iletradas
Salve o balanço! Salve a malícia! E salve o requebrado!

Hum milhão quinhentos e dezenove mil litros bem bebidos
Sem contar quanta erva se queimou
Fora todo o pó que foi cheirado. E os comprimidos
Não falo dos êxtases alcançados
Nem dos picos
Porque são muitos e são fáceis os caminhos para o Paraíso

Noventa e quatro milhões de reais em dívidas novas
Não importa que na realidade
A felicidade não se venda
A fantasia tem crédito ilimitado
Não depende de comprovação de renda

Ah meu Deus
Quanta felicidade!
O que seria, oh senhor
Se não houvesse o Carnaval!

21.02.2007



terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Felizes anos velhos

Caros generais, almirantes e brigadeiros

Marcelo Rubens Paiva

Eu ia dizer "caros milicos". Não sei se é um termo ofensivo. Estigmatizado é. Preciso enumerar as razões?

Parte da sociedade civil quer rever a Lei da Anistia. Sugeriram a Comissão da Verdade, no desastroso Programa Nacional de Direitos Humanos, que Lula assinou sem ler. Vocês ameaçaram abandonar o governo, caso fosse aprovado.

Na Argentina, Espanha, Portugal, Chile, a anistia a militares envolvidos em crimes contra a humanidade foi revista. Há interesse para uma democracia em purificar o passado.

Aqui, teimam em não abrir mão do perdão. E têm aliados fortes, como o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que apesar de civil apareceu num patético uniforme de combate na volta do Haiti. Parecia um clown.

Vocês pertencem a uma nova geração de generais, almirantes, tenentes-brigadeiros. Eram jovens durante a ditadura. Devem ter navegado na contracultura, dançado Raul Seixas, tropicalistas. Usaram cabelos compridos, jeans desbotados? Namoraram ouvindo bossa nova? Assistiram aos filmes do Cinema Novo?

Sabemos que quem mais sofreu repressão depois do Golpe de 64 foram justamente os militares. Muitos foram presos e cassados. Havia até uma organização guerrilheira, a VPR, composta só por militares contra o regime.

Por que abrigar torturadores? Por que não colocá-los num banco de réus, um Tribunal de Nuremberg? Por que não limpar a fama da corporação?

Não se comparem a eles. Não devem nada a eles, que sujaram o nome das Forças Armadas. Vocês devem seguir uma tradição que nos honra, garantiu a República, o fim da ditadura de Getúlio, depois de combater os nazistas, e que hoje lidera a campanha no Haiti.

Sei que nossa relação, que começou quando eu tinha 5 anos, foi contaminada por abusos e absurdos. Culpa da polarização ideológica da época.

Seus antecessores cassaram o meu pai, deputado federal de 34 anos, no Golpe de 64, logo no primeiro Ato Institucional. Pois ele era relator de uma CPI que investigava o dinheiro da CIA para a preparação do golpe, interrogou militares, mostrou cheques depositados em contas para financiar a campanha anticomunista. Sabiam que meu pai nem era comunista?

Ele tentou fugir de Brasília, quando cercaram a cidade. Entrou num teco-teco, decolou, mas ameaçaram derrubar o avião. Ele pousou, saltou do avião ainda em movimento e correu pelo cerrado, sob balas.

Pulou o muro da embaixada da Iugoslávia e lá ficou, meses, até receber o salvo-conduto e se exilar. Passei meu aniversário de 5 anos nessa embaixada. Festão. Achávamos que a ditadura não ia durar. Que ironia...

Da Europa, meu pai enviou uma emocionante carta aos filhos, explicando o que tinha acontecido. Chamava alguns de vocês de "gorilas". Ri muito quando a recebi.

Ainda era 1964, a família imaginava que fosse preciso partir para o exílio e se juntar na França, quando ele entrou clandestinamente no Brasil.

Num vôo para o Uruguai, que fazia escala no Rio, pediu para comprar cigarros e cruzou portas, até cair na rua, pegar um táxi e aparecer de surpresa em casa. Naquela época, o controle de passageiros era amador.

Mas veio a luta armada, os primeiros seqüestros, e atuavam justamente os filhos dos amigos e seus eleitores - ele foi eleito deputado em 1962 pelos estudantes.

A barra pesou com o AI-5, a repressão caiu matando, e muitos vinham pedir abrigo, grana para fugir. Ele conhecia rotas de fuga. Tinha um aviãozinho. Fernando Gasparian, o melhor amigo dele, sabia que ambos estavam sendo seguidos e fugiu para a Inglaterra. Alertou o meu pai, que continuou no País.

Em 20 de janeiro de 1971, feriado, deu praia. Alguns de vocês invadiram a nossa casa de manhã, apontaram metralhadoras. Depois, se acalmaram. Ficamos com eles 24 horas. Até jogamos baralho. Não pareciam assustadores. Não tive medo. Eram tensos, mas brasileiros normais.

Levaram o meu pai, minha mãe e minha irmã Eliana, de 14 anos. Ele foi torturado e morto na dependência de vocês. A minha mãe ficou presa por 13 dias, e minha irmã, um dia.

Sumiram com o corpo dele, inventaram uma farsa (a de que ele tinha fugido) e não se falou mais no assunto.

Quando, aos 17 anos, fui me alistar na sede do 2º Exército, vivi a humilhação de todos os moleques: nos obrigaram a ficar nus e a correr pelo campo. Era inverno.

Na ficha, eu deveria preencher se o pai era vivo ou morto. Na época, varão de família era dispensado. Não havia espaço para "desaparecido". Deixei em branco.

Levei uma dura do oficial. Não resisti: "Vocês devem saber melhor do que eu se está vivo." Silêncio na sala. Foram consultar um superior. Voltaram sem graça, carimbaram a minha ficha, "dispensado", e saí de lá com a alma lavada.

Então, só em 1996, depois de um decreto-lei do Fernando Henrique, amigo de pôquer do meu pai, o Governo Brasileiro assumiu a responsabilidade sobre os desaparecidos e nos entregou um atestado de óbito.

Até hoje não sabemos o que aconteceu, onde o enterraram e por quê? Meu pai era contra a luta armada. Sabemos que antes de começarem a sessão de tortura, o brigadeiro Burnier lhe disse: "Enfim, deputadozinho, vamos tirar nossas diferenças."

Isso tudo já faz quase 40 anos. A Lei da Anistia, aprovada ainda durante a ditadura, com um Congresso engessado pelo Pacote de Abril, senadores biônicos, não eleitos pelo povo, garante o perdão aos colegas de vocês que participaram da tortura.

Qual o sentido de ter torturadores entre seus pares? Livrem-se deles. Coragem.

Essa texto é absolutamente oportuno. A idéia que os milicos tentam passar para as gerações que não viveram o período da ditadura é que houve uma guerra suja entre "terroristas" e militares. Segundo eles, nessa luta para impedir que se instaurasse o regime comunista em nosso país, alguns "excessos" foram cometidos.
O autor cometeu um equívoco: a Lei de Anistia não se estende aos torturadores. Essa interpretação fez parte de um acordo político elitista, entre militares e a oposição consentida. Mas essa discussão jurídica é o que menos interessa no momento. A questão maior é: temos ou não direito a conhecer a nossa história? Será que ficaremos eternamente refens de interesses corporativistas caducos e de compromissos firmados por quem não tinha autoridade para representar o povo brasileiro?