Mao Tsé-tsé
- O Presidente Mao nos ensina – “Quando
dizemos que o imperialismo é um tigre de papel, estamos a falar em termos
estratégicos. Considerando-o como um todo, devemos desprezá-lo. Mas se considerarmos
cada uma das suas partes separadamente, devemos levá-lo a sério. Tem garras e
mandíbulas afiadas.” Camarada Chou, em sua opinião, qual é a
razão do fracasso dos sucessores de Bin Laden?
Chou Le
Zhin: Eles não aplicam a linha de massas?
M. Não, eles
fracassam porque usam as mesmas armas que o inimigo. Se meu tio-avô estivesse
vivo, ele diria que as três grandes pragas modernas são o computador, o celular
e o GPS. Lutar contra o imperialismo recrutando nas redes sociais, falando em
celulares e revelando sua localização pelo GPS é como caçar um tigre à noite,
sem batedores.
C. Como
então construiremos nossa rede?
M. Temos
que dar dois passos atrás, se quisermos ficar um passo à frente do inimigo.
Recrutarmos à moda antiga, em encontros pessoais. Nossos agentes se manterão em
movimento, de preferência no exterior, onde um bando de turistas chineses não
chamará a atenção.
C. E como
nos comunicaremos? Graças à influência ideológica dos costumes burgueses, um
turista chinês sem Iphone é como um panda no meio do deserto. O presidente Mao
nos ensina que para acabar com os fuzis, deveremos empunhar o fuzil. Não poderíamos
usá-los para mandar mensagens em código, através de frases de aparência
inocente?
M. Nós
devemos nos misturar às massas, como um peixe dentro da água. Nossos agentes
usarão tabletes, Iphones e todo esse lixo burguês. Entraremos nas redes
sociais, tiraremos selfies, mandaremos mensagens para os amigos. Se algum de
nós for identificado pelo inimigo, eles terão milhares de textos e imagens para
serem analisados. E não encontrarão
nada, pois não haverá nada para ser encontrado.
C. E como enviaremos as verdadeiras mensagens?
M. O
Presidente Mao nos ensina que as ideias corretas não caem do céu. “Elas só podem vir da prática social, dos três
tipos de prática: a luta pela produção, a luta de classes e os experimentos
científicos na sociedade.” Estou pesquisando os métodos de
criptografia já utilizados. Os antigos escreviam mensagens no couro cabeludo ou
em papiros que precisavam serem desenrolados de uma certa forma. Eu descartei
as mensagens cujo suporte é um meio físico, porque elas podem ser capturadas.
Os alemães
usavam o rádio. Uma máquina, o Enigma, produzia uma sequência de letras que
deveria ser lida por outra máquina. A chave era mudada a cada 24 horas. Era
engenhoso, mas Turing provou que toda mensagem cifrada, em tese, pode ser
decifrada.
C. Então, o
que nos resta?
A conversa
transcorria em um banco, no meio de um pomar de árvores frutíferas e
acompanhada pelo chilrear dos pardais.
Em 1958, o presidente
Mao lançou uma campanha de higiene contra as quatro pragas: mosquitos, moscas,
ratos e pardais. Os três primeiros eram escolhas óbvias. No horóscopo chinês, o
tigre simboliza o número três e os tigres estavam em desgraça. Os pardais foram
incluídos, para se obter um número mais propício, o quatro, que representa a
Terra e remete às coisas concretas.
Os pardais (principalmente o pardal-montês da Eurásia) comem sementes de grãos, roubando os frutos do trabalho dos
camponeses. As massas da China foram mobilizadas e tiveram que bater panelas. Impedidos de
pousar, as aves caiam exaustas dos céus. Seus ninhos eram derrubados, os ovos quebrados
e os filhotes mortos. Escolas, unidades de trabalho e órgãos do governo,
eram citados e celebrados, de acordo com o volume de pragas aniquilados.
Como resultado, as aves quase foram extintas
Em abril de 1960, percebeu-se
que os pardais, além dos grãos, comiam uma grande quantidade de insetos. A produção de arroz havia caído
significativamente. Os percevejos
tomaram então o lugar dos pardais, como a quarta praga, mas já era tarde: houve
uma grande proliferação de gafanhotos. O Grande Salto para a frente havia
trazido desmatamento, uso abusivo de venenos e pesticidas e desequilíbrio
ecológico. Tudo isso agravou a Grande Fome Chinesa, na
qual mais de 30 milhões de pessoas morreram de fome. No meio de tantos
chineses, elas passaram despercebidas.
Na Nova China Revisionista, os pardais voavam livremente.
M. Veja
esse bando de pardais. Sua revoada é uma das coisas mais voláteis e transitórias
que existe. Entretanto, em um dado momento, cada pássaro está em uma posição
determinada. Se essa posição pudesse ser associada a uma coordenada, com a
chave certa, escreveríamos a mensagem mais secreta do mundo.
C. Nesse
caso, vamos fotografar uma revoada, codificar as posições e mandar a chave
separadamente.
M. Teríamos
vários problemas. Ninguém anda tirando fotos de revoadas o tempo todo e a chave
teria que relacionar coordenadas num plano a letras. Seria o mesmo que mandar
diretamente uma mensagem cifrada.
Pense em
homens, no lugar de pássaros. Pense nos painéis humanos que os norte-coreanos
executam nos estádios.
C. Poderia ser algo assim. Mas não temos tantos agentes e a mensagem, mesmo se
durasse poucos segundos, poderia ser interceptada. Nós não podemos deixar
rastros e nem chamar a atenção.
M. Os
pássaros não carregam um cartaz. Uma mensagem hipotética só dependeria de suas
posições. Poucos agentes, formando um painel humano, onde cada posição é um
símbolo, seria o mais perto que poderíamos chegar de uma mensagem perfeita.
C.E Como
decodificaríamos essa formação? Os aliados capturaram uma máquina Enigma e, a
partir dela, conseguiram decifrar o método e chegar a uma chave geral.
M. Temos
que estar dois passos atrás dos imperialistas. Lembra dos cartões perfurados? Através
deles, os primeiros computadores recebiam seus programas e seus dados. Nós
ainda temos alguns desses fósseis guardados em nossas universidades. Ele
receberam um número de patrimônio e não podem ser destruídos. Vamos usar o
atraso e a burocracia a nosso favor.
C Então o
que temos a fazer é usar os nossos agentes para numa determinada hora ocuparem
uma certa posição. Cada um receberá uma coordenada de GPS. O destinatário só
terá que jogar essa mensagem em um cartão perfurado.
M. Restam
ainda dois problemas, embora sejam relativamente fáceis. Nós podemos usar os
nossos computadores antigos, para escrever uma mensagem e perfurar um cartão.
Os furos serão a posição que cada um deverá ocupar. Como é que nosso agente
decifrará essa mensagem? Os antigos computadores ocupavam várias salas. E, finalmente,
onde deveremos colocar nossos agentes, de forma a não chamar a atenção?
C. Sabe
aqueles antigos jogos para os primeiros computadores? Existem emuladores que são
capazes de rodá-los nos computadores atuais. Só precisamos ter um programa que
simule a leitura de um cartão perfurado. Não deve ser difícil.
M. E onde
colocarmos nossos agentes?
C. O melhor
lugar é a vista de todos. No ponto turístico mais visitado de cada cidade. Na
Praça Vermelha, no campo de Marte, em lugares assim. Nosso agente irá tirar uma
foto perfeitamente inocente, a foto será transformada para gerar um cartão
perfurado e o cartão perfurado será lido.
M. Sim, mas ficarão rastros. Os programas e a foto. Essa mensagem terá que
perder rapidamente a sua utilidade. Os alemães usavam o Enigma para dar as
posições dos alvos a serem destruídos. Depois do bombardeio, a mensagem não
tinha mais valor.
C. Então
será assim que mandaremos a mensagem do juízo final. Um agente, com um tablete,
tirará uma foto, decifrará a mensagem e acionará a carga explosiva com uma
chamada. Ninguém poderia imaginar algo assim. É essencial que a autoria seja
desconhecida.
M. Um
americano disse que tudo o que um louco pode imaginar, um outro louco poderá
descobrir. Desde que esse louco esteja no lugar certo, na hora certa, o que é
quase impossível, nesse caso. Só precisamos de uma mensagem alternativa, caso tivermos
que abortar a missão. Essa poderá ser transmitida como uma mensagem normal, via
Iphone.
C. È só
dizer que uma mulher abortou, mas passa bem. Os agentes que irão detonar as
cargas saberão imediatamente do que se trata. E no meio de tantas mensagens
irrelevantes, essa não despertará atenções.
M.
Perfeito. Agora vamos tratar de alguns detalhes...
Os microfones direcionais eram de um modelo antigo. A barreira de árvores e a
algaravia dos pardais iria exigir um trabalho árduo dos agentes da Guoanbu, a Agência
de Segurança da República Popular da China.