Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.

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Divulgação literária e outros babados fortes

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sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Genoino


Trecho do meu livro sobre a guerrilha do Araguaia. Conheci Genoino em 1970, quando era o Camarada Geraldo, que estava deixando a diretoria da UNE, para a qual fui eleito, em 1971. Tivemos em comum, além disso, uma namorada e a militância no PC do B. Nos encontramos umas duas ou três vezes. Fazíamos brincadeira com a sua falta de jeito, sua dureza nos gestos, resquícios de uma infância no cabo de uma enxada. Fez supletivo com 16 anos, cursou uma faculdade, entrou para o movimento estudantil, foi uma liderança de peso em Fortaleza, ajudou a construir o PC do B, foi diretor da UNE e partiu para o Araguaia. Tudo isso é narrado, com maiores detalhes na autobiografia autorizada, Entre o poder e o sonho.
Hoje é figura pública, alvo de uma direita ressentida, o que não o absolve e nem justifica. Sou solidário ao seu drama pessoal. Gostaria de lembrá-lo nesse momento, em que chega ao Araguaia, encontra com Amazonas e começa a lutar pelo sonho. Infelizmente, depois, veio a luta pelo poder. Deixo com vocês um vislumbre do Genoino que conheci.

 José Genoino Neto, o ex-presidente do PT, conta que deixou São Paulo em 1970, no dia em que a Seleção Brasileira, tri-campeã do mundo no México, chegou à cidade para desfilar no Anhangabaú. Ele aproveitou o momento para pegar um ônibus na Rodoviária de São Paulo com destino a Campinas. Genoino sabia que o PC do B preparava a luta armada no campo, apresentou-se como voluntário e foi enviado para essa missão. Quando entrou no ônibus, ele não conhecia o seu destino final, só a sua primeira escala. Lá teria que cobrir um ponto[1] e receber mais instruções. Em Campinas, soube que ia para Anápolis.
Em Anápolis, Genoino encontrou com um velho conhecido do movimento estudantil cearense, Glênio, que ia para a mesma missão. Os dois foram contatados por José Humberto Bronca, um ex-metalúrgico gaúcho, que os iria conduzir, daí em diante. Passaram um dia fazendo pequenas compras: remédios, facão, machado, panelas e mantimentos. Depois, seguiram de ônibus até Imperatriz, no Maranhão, fazendo de conta que não se conheciam.
Em Imperatriz, se hospedaram em hotéis diferentes. Gastaram mais três dias fazendo compras, separados. Só então, Genoino soube que entraria na mata pelo rio, num barco. A viagem de Imperatriz para Porto Isabel durou cinco dias; primeiro descendo o Rio Tocantins, até São João do Araguaia, depois subindo o Rio Araguaia. No barco, os três já se apresentavam como conhecidos. Glênio e Genoino contavam aos camponeses que ia morar com um tio, no sul do Pará.
De Imperatriz em diante, não havia mais pontos de referência: só a mata e o rio. A selva ia engrossando, à medida que o destino final se aproximava. Os últimos 14 quilômetros foram feitos a pé, porque o Araguaia havia baixado e a cachoeira de Santa Isabel não estava transponível.
Bronca já estava na região desde 69 e era muito bem relacionado com os moradores. De cada um que encontrava, recebia a mesma pergunta: - o Osvaldão, como vai? - O Negão está bem? - E o Mineirão? Glênio e Genoino se perguntavam quem seria este personagem tão popular.
Finalmente chegaram a um pequeno rancho, numa região de capoeira, onde um negão fritava um bife de veado, em companhia de um velhinho de 60 anos. A recepção foi calorosa. Genoino recebeu arma, facão e botina, foi colocado a par das características da região e ganhou de lembrança do seu tio uma folhinha do calendário. A data era auspiciosa, 26 de julho[2].  O tio, ele soube mais tarde, era Amazonas.


[1]              Cobrir um ponto era comparecer na hora marcada a um local previamente combinado. Às vezes, as pessoas se identificavam através de senhas. Em caso de desencontro, poderia haver uma alternativa, um ponto em outra data e/ou local.
[2]              26 de Julho é o nome do principal movimento rebelde cubano. Nessa data, houve o fracassado ataque ao quartel de Moncada, que terminou com a morte de vários rebelde e a prisão de Fidel Castro.

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