A novela da queda de um ministro tem uma liturgia. Ela envolve um roteiro geral, alguns personagens e núcleos que não variam muito. O final, todos já conhecem.
A proposta de fazer uma novela no Ministério do Esporte apresenta alguns ingredientes novos, que podem elevar a audiência: primeira mulher presidente, Copa do Mundo à vista e um protagonista pouco conhecido, mas promissor, o PC do B.
O piloto foi a matéria de capa da Veja. A reportagem do Fantástico ampliou a audiência. Em seguida, houve um anticlímax, com o depoimento do Ministro na Câmara e a decisão da Presidente de mantê-lo. O que parecia ser um especial virou mini-série, podendo chegar à novela.
Há conflitos latentes e núcleos que ainda não apareceram para o grande público. Um exemplo é a briga PT x PC do B, concentrada no Distrito Federal. Agnello, por enquanto, tem sido coadjuvante. Sempre em viagem, sempre se esquivando. A trama começa no seu mandato como Ministro do Esporte do governo Lula. É aí que ele conhece João Dias Ferreira. Orlando Silva é seu secretário executivo. Agnello atualmente é do PT e foi eleito governador do Distrito Federal. Este núcleo fatalmente ganhará destaque nos próximos capítulos. Há muito ressentimento há ser explorado.
Outro núcleo que ganhará destaque é o próprio PC do B. O público está acostumado com partidos inorgânicos, dominados por clãs, em que o fogo amigo de um pode derrubar o outro. Pelo menos externamente, o PC do B age em bloco. Ele bancou seu ministro e se recusa a ser o vilão da história. Há uma cena, que o público não verá, em que a presidente perde o cargo e o ministro responde:
- o partido decidiu que eu só saio demitido e que Vossa Excelência terá que assumir o desgaste de admitir que a presunção da inocência é mero discurso.
- Neste caso, você está por sua própria conta. Não fui eu que o escolhi, não fui eu que escolhi o Agnello, o desgaste não será meu. Daqui para frente, eu e a Gleici assumimos as negociações da Copa, enquanto você tenta quebrar o recorde de permanência do Palocci.
Se eu fosse roteirista, este seria o diálogo. Acho que a direção cortaria. Novela não pode chegar tão próximo da vida real.
Estes seriam os primeiros capítulos. Toda boa novela improvisa a partir da aí, baseada nas pesquisas de audiência. Até agora, a maioria da população brasileira não está informada sobre a crise. Quem trabalha não lê a Veja, não assiste o Fantástico até tarde e não está ligando muito para política. A audiência nas classes D e E está muito baixa.
O que poderia alavancar a novela para este público seria a tradicional cena do dólar na cueca, da montanha de dinheiro ou da mansão suntuosa. Para as externas, os roteiristas só dispõem de um sítio no meio do mato e de uma garagem. Com o contra-regra, até agora, só uma caixa de sapatos cheia de dinheiro. Não promete muito.
Os escritores sabem que uma trama muito abstrata perde audiência rapidamente. Vilão que se preze rouba para gastar com mulheres, carrões e mansões, não necessariamente nesta mesma ordem. Dinheiro desviado para comprar governabilidade, para garantir projetos de poder, para fazer caixa dois de partidos, não têm apelo popular.
Há uma gravação que promete, se o original aparecer. A cena dos dois bonequinhos, com a transcrição em baixo e aquelas faixas de freqüência subindo e descendo é um clássico. Uma alternativa, se a trama não puder ganhar profundidade, é investir na extensão. Existe material antigo no departamento de pesquisa sobre o PC do B, envolvendo a ANP e as diversas ONG espalhadas pelo país. Pode respingar em muitas candidaturas e campanhas municipais e ajuda a criar o clima de corrupção difusa.
Um núcleo que poderia amarrar muitas pontas seria o da antiga UNE. Por lá passaram várias lideranças do PC do B, o próprio ministro, sua mulher, e grande parte dos seus assessores. O elenco sofre limitações, porque alguns ex-militantes e ex-diretores da UNE se recusam a entrar nesta novela. Preferem ficar de fora, fazendo a crítica da dramaturgia palaciana.
Outro drama a ser explorada é o dilema shakespeariano da presidente. Ser ou não ser. Empunhar a vassoura e fazer a faxina? Ignorar a pecha de ingratidão filial e dizimar a cota pessoal do monarca que a nomeou sua sucessora? Ou sucumbir na mesmice da governabilidade, arrostando as flechas da imprensa inimiga?
Os roteiristas sabem que o gancho que garante audiência é a Copa. A presidente, a FIFA e a CBF são rivais. Há uma briga surda, que poderia ser mais explorada. O ministro e o antigo monarca se entendiam bem com os cartolas. A presidente não. O pobre ministro virou um joguete entre estas duas forças. Obrigado a adotar o discurso da presidente, sofreu o desdém da FIFA, que já o descartou como interlocutor. Esta técnica chama-se bater na cangalha para o burro entender. Do outro lado da cangalha, o burro retrucou. A presidente assumiu as rédeas da negociação. Uma das razões para manter o seu ministro é justamente esta, a de não ser pautada pelo adversário.
Como sempre, o público escolherá o final. Toda grande novela tem um elenco de escritores e não há como ignorar os roteiristas do PC do B. Eles estão escrevendo os capítulos sobre o PM. Este núcleo promete. Há uma antiga investigação da polícia, com direito a morte de agentes infiltrados e ameaças. O nome tem apelo: Operação Shaolin. Pode levar a uma reviravolta na trama, jogando o peso da culpa no esquivo Agnello. Pode também ser o estopim de um conflito maior.
O capítulo final pode ser a cena clássica, com direito a discurso de despedida emocionado de um lado e agradecimentos protocolares do outro. O formato ainda não está decidido: minisérie ou novela. Tudo depende da novela da vida real. De repente, um escândalo abafa o outro e a ciranda recomeça. Os roteiristas da Veja, costumam ser precavidos e só propõe uma nova trama quando têm assunto para pelo menos umas quatro edições. Aguardemos.
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