Segundo as manchetes:” Supremo rejeita mudança na Lei de Anistia”. O assunto é chato para a maioria da população brasileira, mas merece alguns esclarecimentos. Em primeiro lugar, ninguém pediu que se alterasse a Lei e nem o Supremo tem o poder de fazê-lo. O que a OAB pretendia é que se reconhecesse que a tortura não é crime político e muito menos conexo.
Alguns ministros, justificando seu voto, disseram que o entendimento que incluía os torturadores na Anistia foi fruto de um acordo político. É verdade. A tortura era crime, mesmo durante o regime militar, que nunca admitiu oficialmente a sua utilização. No texto da Lei da anistia, não está dito em lugar algum que quem torturou presos políticos estava anistiado. Como não se podia fazer menção explícita à tortura, houve um acordo tácito entre as diversas forças que avalizaram a anistia para livrar os torturadores de punição.
Sempre é oportuno relembrar as circunstâncias da anistia. Ela coexistiu durante muito tempo com um punhado de leis de exceção. Entre 79 e 84, o regime militar montou uma saída organizada. As eleições indiretas de 84 opuseram Tancredo e Maluf. Um conciliador, que tinha como vice Sarney, homem saído da Arena e Maluf, um quadro da ditadura.
Essas circunstâncias, durante muito tempo, serviram de pretexto para deter o que se chamava de revanchismo – a apuração dos crimes do regime militar. Era o medo do retrocesso. Os anistiados têm nome, têm um passado, foram declarados legalmente como tais. Há um ato oficial que reconhece e restabelece os seus direitos. Os torturadores que teriam sido beneficiados continuam na sombra. Quando um deles é exposto, como foi o caso de Brilhante Ustra, negam que tenham torturado, dizem-se caluniados.
Fica a questão: os tempos mudaram, a guerra fria acabou, os militares estão nos quartéis e a melhor doutrina considera que a tortura é crime imprescritível contra a humanidade. Citarei um exemplo recente: os acordos de paz que puseram fim à guerra na antiga Iugoslávia não impediram que o Tribunal de Haia julgasse Milosevic. Por que então o STF deveria validar um acordo feito em condições desiguais entre o regime militar e a oposição consentida?
A decisão do Supremo é um primor de incoerência. Para não insultar ainda mais a memória dos que foram assassinados, reconhece o direito de se apurar os crimes cometidos. A família pode saber quem é o assassino. Só não pode pedir a sua punição. A tese de que anistia seria o esquecimento total, algo como deixar em branco páginas da nossa história, foi derrubada. Não se pode considerar que esse seja um avanço. Mesmo sem as bençãos do Supremo, Amelinha Telles e Criméia já haviam recorrido à justiça, que reconheceu Brilhante Ustra como torturador.
A explicação para uma decisão tão lamentável é simples: faltou o clamor das ruas. Os ministros do Supremo não se sentiram pressionados. A mobilização popular que lutou pela anistia, que foi às ruas pelas diretas e pelo impeachment já se perdeu há muito tempo. Deletar os e-mails que enchem sua caixa de correio eletrônico é fácil. Ignorar dezenas e centenas de milhares de manifestantes é muito difícil. Nesse sentido é lamentável a omissão e ou a inércia dos sindicatos, das centrais sindicais, da UNE, dos dois principais candidatos, eles próprios vítimas da repressão, e de tantos outros.
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