Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.

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Divulgação literária e outros babados fortes

Versos cretinos, crônicas escrotas e contos requentados. O resto é pura prosa.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Entrevista para Clevane Pessoa



Link para a entrevista



A seguir um pequeno trecho da entrevista:

 " ...O apartamento tinha uma biblioteca (uma estante de tábuas e tijolos) cheia de livros marxistas e alguns romances. Dei tanta sorte que ele pegou um livro para examinar e escolheu um romance inofensivo. Em seguida pediu minha identidade e perguntou o que estava fazendo no Rio. Disse que estava morando com um amigo, enquanto estudava para o vestibular de economia. 

Pelo visto, ele não acreditou muito em minha história e disse que eu teria que acompanhá-lo. A escada era em caracol, muito íngreme e de curvas muito fechadas. O apartamento ficava no terceiro ou quarto andar. Eu calculei que se saísse correndo na frente ele não teria visão para atirar. 

Desci embalado, acelerando cada vez mais a cada volta. No último andar não consegui frear. A escada terminava em frente à entrada de serviço de outro apartamento. Com o impulso, arrombei a porta. Mal tive tempo de pegar os meus óculos no ar e não pude ver a cara da empregada, que estava com o forno aberto. Só a escutei gritando: “ai meu Deus, o que é isso!”.

O apartamento  estava alugado por Adriano Fonseca, o Chicão ou Queixada, que mais tarde iria morrer no Araguaia. É possível que o incidente tenha precipitado à sua ida para a guerrilha, ao chamar a atenção da repressão. O SNI registrou minha passagem por esse apartamento em seus arquivos. Clicando no link no início da postagem, vocês terão acesso a toda a entrevista.

Minha amiga Clevane Pessoa, militou na imprensa de Juiz de Fora, nos anos de Chumbo (Gazeta Comercial, O Lince, Jornal Urgente). Possue uma obra, que vai da poesia à prosa, sem esquecer a ilustração. Sensível, sem nenhuma pieguice; delicada, por natureza; quando coloca o dedo nas nossas mazelas sociais, o faz sem o menor traço de panfletarismo. Entrevistando,  possibilita  ao entrevistado a chance de falar de si mesmo, rememorar-se e dar depoimento real de sua experiências. O blog publica diversas entrevistas que fez e as que fizeram com ela.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Capítulo 6

Capítulo 6 – O PC do B nas vésperas da luta armada

Depois do V Congresso do PCB, em 1960, vários dirigentes identificados com as posições anti-reformistas foram deslocados para estados de menor expressão, numa espécie de degredo partidário. Carlos Danielli foi para o Espírito Santo e João Amazonas para o Rio Grande do Sul. Outros foram mandados para organismos municipais ou distritais.
No Espírito Santo, começou a amizade de Elio com Danielli, cuja tarefa era dirigir o semanário comunista Folha Capixaba. Danielli tinha 31 anos e Elio era secundarista. Fluente em russo, o dirigente dava aulas do idioma para os militantes do partido. A maioria dos alunos era secundarista. O livro texto era uma gramática de Nina Potapova, e, até hoje, Elio se recorda das aventuras da “maladaia diévutchka Iliéna”, a jovem mocinha Elena. A fluência de Danielli pode ter sido adquirida na própria União Soviética. No PCB, os militantes mais destacados eram enviados para o Curso Stalin, de dois anos, uma espécie de pós-graduação em marxismo-leninismo.
Em 61, antes da ruptura formal, foi publicado o chamado manifesto dos 100, em que dirigentes e militantes protestavam contra os rumos que o PCB estava tomando. Em fevereiro de 1962 foram expulsos do Comitê Central do PCB todos os membros que ainda continuavam apegados à chamada linha stalinista: Diógenes de Arruda Câmara, João Amazonas de Sousa Pedroso, Pedro Ventura Araújo Pomar, Maurício Grabois, Miguel Batista dos Santos, José Maria Cavalcanti, José Duarte, Ângelo Arroyo e Orlando Piotto. Esse foi o núcleo em torno do qual se reorganizou o PC do B.
No dia 18 de fevereiro de 1962, na Rua do Manifesto, bairro do Ipiranga, São Paulo, houve uma conferência extraordinária do que passaria a se chamar Partido Comunista do Brasil. Participaram dela delegados de vários Estados. Entre eles estavam dirigentes históricos do Partido como João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar, Kalil Chade, Lincoln Oest, Carlos Danielli, Ângelo Arroyo, Elza Monnerat, entre outros.
Prestes declarou que pelo menos dez por cento dos militantes do PCB aderiram à cisão. Estimando os efetivos do PCB em 5.000 militantes, a projeção indica que 500 militantes se incorporaram ao PC do B, nos primeiros meses. Temos razões para pensar que esse número está superestimado.
Elio Ramirez Garcia ingressou no partido em 60.  Embora tenha acompanhado os camaradas que reorganizaram o PC do B, durante todo o ano de 62, permaneceu no Espírito Santo, sem pertencer a uma estrutura formal. Havia a distribuição da Classe Operária, eram feitas discussões políticas, mas, somente em 63, o PC do B se organizou nesse estado.  Em 62, o PC do B estava enraizado basicamente no eixo Rio São Paulo. Deveria ter contatos em vários estados, como no caso de Elio e, graças ao trabalho de Amazonas, uma liderança de grande prestígio, estava estruturado no Rio Grande do Sul.
A composição por estado dos militantes que foram para o Araguaia, dá uma idéia de como foi o crescimento do PC do B. Do Rio Grande do Sul saíram José Humberto Bronca, João Carlos Haas e Paulo Mendes Rodrigues. Militantes mais antigos, eles devem ter se aglutinado em torno de João Amazonas.
Rio e São Paulo forneceram a maioria dos militantes. O pequeno Espírito Santo forneceu dois militantes: João Gualberto Calatroni (Zebão) e Marcos José de Lima (Ari Armeiro). José Maurílio Patrício (Mané), o outro capixaba, atuava no Rio de Janeiro.  Os mineiros da guerrilha, em sua maioria, foram recrutados a partir de 68. Nesse ano de grandes manifestações de rua, o PC do B começou a disputar a hegemonia do movimento estudantil e de alguns sindicatos. Ciro Flávio Salazar de Oliveira (Flávio), enviado a Minas, onde era conhecido como Tio ou Bigode, foi o grande responsável pela criação do PC do B nesse estado.
Paulo Roberto Pereira Marques (Amaury) e Walquíria Afonso Costa (Walk) estavam entre os primeiros militantes recrutados. Walquíria, uma liderança estudantil de peso, contribuiu bastante para o crescimento do partido, recrutando novos militantes. Ela e Paulo acabaram ficando muito visados  pela repressão. De Minas, também saíram Idalísio, marido de Walquíria e Rodolfo.
Ceará e Bahia, outros estados que estiveram fortemente representados no Araguaia, contribuíram com quadros mais experientes, que iniciam sua militância política já em 66, nos movimentos secundaristas e universitários. Ozeas Duarte, delegado a VI Conferência do PC do B, realizada em julho de 66, foi responsável pelo crescimento do partido no Ceará. Outras grandes lideranças, como João de Paula, Pedro Albuquerque, Genoino, Dower (Domingos) e Bérgson (Jorge), surgiram entre 66 e 68. Os quatro últimos foram para o Araguaia.
Da Bahia, os militantes que se deslocaram para a guerrilha também iniciaram sua militância nesse período. Citaremos Dinalva Oliveira Teixeira, (Dina) e seu marido Antônio Carlos Monteiro Teixeira, Uirassu de Assis Batista (Valdir), Rosalindo de Souza (Mundico), Vandick Reidner Pereira Coqueiro (João Goiano) e sua mulher Dinaelza Soares Santana Coqueiro (Mariadina).
Um indício de que havia uma estrutura anterior do partido na Bahia é a presença dos irmãos Piauhy Dourado, Nélio (Nelito) e José Lima (Ivo) no Araguaia, o primeiro com treinamento na China. A seleção e o envio de um militante para esse treinamento apontam para a existência de uma estrutura partidária, ainda que pequena.
À VI Conferência, em 1966, compareceram cerca de 40 participantes, entre convidados, membros do Comitê Central e delegados, representando cerca de 500 militantes. É um acontecimento significativo para um partido que começara pequeno numericamente, e que durante o período entre 62 e 64 não alcançara maior prestígio entre os movimentos de massa. Por sua luta implacável contra o reformismo, seus militantes eram rotulados de aventureiros, esquerdistas, e outros adjetivos menos amáveis.
No Espírito Santo, a Conferência Estadual que elegeu Elio como delegado reuniu os responsáveis pelos municípios e frentes estudantis. Discutiram o crescimento do partido e as questões locais. Em São Paulo, durante as reuniões, Elio ficou face a face com alguns membros do Comitê Central. Elza Monnerat e Danielli já eram conhecidos. Na sua volta da China, havia feito um relatório a João Amazonas e Pedro Pomar.  E fora colega de curso do Bronca. No decurso da VI Conferência, conheceu Maurício Grabois, Arroyo, Zé Duarte, Luís Guilhardini e Wladimir Pomar.
Do Comitê Central, ele não se lembra de ter visto Dynéas Aguiar, Consueto Callado, e Lincoln Oest. A norma era todos usarem nomes de guerra, mas Danielli ia identificando um ou outro, de caso pensado – o novo militante devia ter uma idéia dos nomes históricos que haviam reconstruído o PC do B.
A Conferência contava com apenas um delegado por estado: Ozeas Duarte, pelo Ceará; Elio pelo Espírito Santo, Diniz Cabral Filho, o Queixadinha, por Goiás; uma loura, companheira de Hélio Cabral, por Brasília; Vicente pelo Rio e dois delegados pelo Comitê Regional dos Marítimos (do Rio): Guilhardini e um certo Copa. Além de outros que não ficaram na memória de Elio.
A derrota de 64 desmascarou as grandes ilusões que o PCB depositara na via legal. A posição inicial deste partido, afirmando que o golpe de 64 era passageiro e que os militares não ousariam enfrentar a reação popular, voltou a atenção dos revolucionários para o PC do B.
No Rio houve a incorporação da direção de todo um organismo, o Comitê Regional dos Marítimos, de vários dirigentes de prestígio e de grandes setores do movimento de massa, como ferroviários e empregados da CBT (carris). 
A VI Conferência consagrou a entrada de José Humberto Bronca e de Luis Guilhardini no Comitê Central. O Comitê inicial, com perto de uma dúzia de membros, contava com João Amazonas, Valter Pomar, Carlos Danielli, Maurício Grabois, Ângelo Arroyo, Consueto Callado (pai de Daniel Ribeiro Callado), Elza Monnerat, Lincoln Oest, Khalil Chade e José Duarte. Elio acha que José Maria Cavalcanti, dos marítimos; Wladimir Pomar, filho de Pedro Pomar e Ozeas também passaram a integrar o CC.
Posteriormente, Diógenes Arruda e Jover Telles ingressaram no PC do B e no seu Comitê Central. A última incorporação de vulto foi de parte da AP, formalizada em 73, já sob o prestígio da luta no Araguaia.
Em 67, no Rio de Janeiro, particularmente na Guanabara (à época, a cidade do Rio de Janeiro constituía o Estado da Guanabara), houve uma grande cisão no PCB. Os dissidentes se organizaram com o nome de Corrente Revolucionária, visando intervir no 6º Congresso do PCB. Foram expulsos e acabaram criando o PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário).
Em junho de 68, a maioria do Comitê Regional do PCBR rompe com a direção nacional e aprova a resolução “Um reencontro histórico”, que propõe a sua incorporação ao PC do B. Apolônio de Carvalho, fundador do PCBR, o Apolinário da trilogia de Jorge Amado, afirma que “mais de 80% dos militantes, com destaque para os setores operários e populares – optaram pela unificação com o PC do B”.
Ronald era militante do PC do B desde junho de 68, vindo da Dissidência, uma cisão que houvera no PCB em 66. Sua esposa, Myriam, participou ativamente da Organização da UJP, União da Juventude Patriótica, criada formalmente em março de 70. Era uma agremiação revolucionária que congregava os jovens independentes interessados e motivados em lutar contra o regime militar e pelas reivindicações populares, sem distinção de cor, classe, ideologia, religião e concepção filosófica.
Segundo Myriam, na UJP havia militantes do PCdoB, que geralmente eram uma espécie de ponte entre a direção e os núcleos, assim como pontos de apoio iniciais para a construção. Foi o caso da Adriano Fonseca, do IFCS. Entretanto, compunha-se, por larga maioria, de militantes independentes. Muitos não tinham a compreensão política suficiente para entrar no partido ou a disposição de fazê-lo. Boa parte nem era comunista. Outros, mesmo tendo uma consciência mais avançada, não queriam, por algum motivo, assumir compromissos partidários, mas estavam dispostos a participar de alguma forma da luta contra o regime militar e pela realização do Programa.
De março de l970, quando foi fundada oficialmente, a setembro de l972, a UJP cresceu vertiginosamente, chegando a ter cerca de 600 membros. Myriam tem certeza  dessa data e desse número de militantes porque, em seu último “ponto” com Lincoln, foi feito um balanço geral da situação. A UJP foi uma decisão do Comitê Regional, referendada pelo Comitê Central, concebida inicialmente como uma experiência piloto. Não chegou a se constituir nacionalmente.
Estes dados dão uma idéia da importância do PC do B do Rio de Janeiro e explicam a quantidade de quadros que enviou ao Araguaia.
O núcleo dirigente do PC do B era o mesmo que, com a prisão de Prestes, após a insurreição de 35, havia comandado o partido e convocado a Conferência da Mantiqueira. Amazonas, seu quadro mais destacado, tornou-se, após a reorganização, secretário geral do Comitê Central. Seu deslocamento, junto com mais três dirigentes históricos (Grabois, Arroyo e Elza), mostram o peso que o Araguaia tinha na política do partido. Lincoln Oest ficou encarregado, juntamente com Danielli, de selecionar os novos militantes que iriam para a área.
Sobre o tamanho do partido, Arroyo, no documento Grande Acontecimento na vida do país e do PC do B, reconhece que: “Embora pequeno, nosso partido foi capaz, sob uma ditadura fascista, de organizar e dirigir uma resistência armada...”[1]. O próprio Amazonas, em depoimento colhido em 2001, afirma: “Para se compreender a dimensão do que é a Guerrilha do Araguaia é necessário analisa-la historicamente. Somente assim se pode ver a grandeza de um movimento empreendido por um partido ainda pequeno...”[2]  Ambos grifos são nossos.
No próximo capítulo, tentaremos precisar o que se dever entender por um partido pequeno.



[1] Guerrilha do Araguaia, ed. Anita Garibaldi, p. 63.
[2] Idem, p. 53.